quarta-feira, 28 de maio de 2008

Corre Durden Corre Ruiva

Instruções para ler este conto: (isto é sério)

- encha o pulmão, prenda a respiração... e leia!

As coisas estão indo depressa demais ruiva, depressa demais, como aquele ônibus, aquele que quase atropela passageiros no ponto, como a bola espirrada que acerta o tio da praça, como a correria do pivete, o esbarrão derruba-café, derruba-humor, as luzes da cidade, as hemáceas urbanas coloridas, neon, barulho, neon, depressa, depressa demais ruiva, acelerado, acelerado. Eu escuto corra! Corra, corra, corra até perder seus pulmões, e eu forço minhas pernas até a exaustão, o tênis contra o asfalto, asfalto contra tênis, batalha silenciosa em meio a sujeira do canto do pa-ra-le-le-pí-pe-do dito diante da língua, diante de um copo de cerveja na cara de um travesti na esquina da joaquim silva com a tonelereiros não-sei-mais-o-quê! Já não sei mais quem empurra quem, ou se é a terra que está de cabeça para baixo; um dois, três postes, carros em frente ao teatro cecília meirelles, entro correndo com fôlego, passo embaixo dos arcos da lapa, há olhares, olhares famintos; grito com minhas pernas na altura do arco-íris, esbarro em um gringo, não dois gringos, não três gringos, digo era o garçom, não importa, hidrante, não importa, quantidade-velocidade-serenidade-atividade do intenso, idiota, do denso, idiota, idiota lerda, do tenso, eu tropeço num paralelepípedo, dobro a direita sem jeito, sigo rumo a praça tiradentes, delegacia-carrocinha-franco-maçonaria não necessáriamente nesta mesma ordem, corro, o cadarço está frouxo, o fôlego sôfrego, a calça imunda, as pessoas me inundam de olhares, expressões, e minhas ações prosseguem, pé direito, pé esquerdo, braçadas longas, cabelo grande solto, voando, casaco verde apertado, suando, chego na praça tiradentes cortando o batalhão já sem força... passadas diminuem, a dor no solado do pé, o seu ônibus partindo ruiva, partindo... partindo meu coração... aquele 355 vendido... sempre lento e agora tão esguio... esguio como nossa relação... e você não está mais aqui, mas está lá, no banco de trás, apenas um olhar. Olhar fugitivo, coberto pelo movimento que mostra seu cabelo vermelho e nega seu olhar... e eu com as mãos no joelho, esbaforido... meio perdido... caio de esquerda na calçada, me apóio, me nego e aí percebo que você já se foi, que você já se foi.

E eu tentei correr, não fugir.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Lembrei de você ao ler isto

O animus negativo e os relacionamentos

Assim como a anima, o animus (parte masculina no insconsciente de uma mulher) pode ser o causador de muitos problemas nos relacionamentos. Marie Louise von Franz, no livro “O Caminho dos Sonhos”, diz:
"Essa é a maior tragédia oriunda do animus negativo. Ele manifesta seu poder no momento em que a mulher ama. Ele tenta afastar a mulher de qualquer tipo de relacionamento, desvalorizando-o ou dizendo que é loucura. O animus negativo manifesta-se sobretudo como uma resistência, baseada em opiniões, a qualquer sentimento de amor. Se uma mulher se apaixona ou se interessa por um homem, seu animus negativo vem à tona e faz com que ela arruíne o relacionamento. Subjetivamente, ela não sabe o que está acontecendo. Ela acha que é maldição... Talvez ela projete e diga: "Ele foi tão maldoso comigo", ... O animus negativo comporta-se como um amante ciumento... se ela tem um sentimento amoroso por algum homem, logo aparece esse animus que diz: "você não deveria fazer isso".

[psiu... poderia ter dado certo mesmo com os mapas nos atrapalhando]

domingo, 25 de maio de 2008

Desenham outras possibilidades

Ainda que prefira meu quarto, do que o choro comovido, sinto o inerte, e apesar da cerveja meio quente provocada pela geladeira alquebrada, faço um bom negócio em passar um final de semana num cômodo grande, onde meu corpo ocupa receoso um / quarto de cômodo.

É quase manhã, mas meu quarto ainda respira a noite, isto por que, adoro beber cervejas que iluminam o dia, como vírgulas, as cervejas vão chegando, chegando e eu simplesmente não as pontuo, e é por mera vontade...

Odeio os pontos de interrogação. Adoro vírgulas; sempre me escapam, sempre conseguem e desenham outras possibilidades.

Gosto do inédito, mas o inédito está cada vez mais raro. E aí me ato ao visível, ou ao previsível, dependendo da quantidade de choro comovido ou de inerte cerveja.

É difícil me concentrar com vírgulas demasiadas.

E às vezes, eu penso, mas que merda ser e não ser escritor. E a fase criativa, está regada a cervejas, dar o dinheiro e correr, e a algo mais absurdo que todavia enfileirado com as regras métricas não consigo me lembrar.

sábado, 24 de maio de 2008

Não gosto de escrever de manhã

Não gosto de escrever de manhã. Apesar dos raios de luz que invadiram meu quarto, e chegaram atrasados, atrasados pois a insônia é um sol mais regular do que os ciclos e as estações.

Não gosto de escrever de manhã, por que a manhã não é um começo para mim, é um fim. Prefiro a noite, a madrugada, o fim de festa.

E não gosto de poesias, odeio a métrica, prefiro enfileirar minhas palavras e chamar de conto; é mais fácil, prático e simples, simples como a madrugada, não como a manhã.

Prefiro o puta que pariu sincero, do que comoventes abraços de hipócritas solidários.

Prefiro a cerveja engolida na raiva, do que a sofisticação que esconde a mediocridade.

Prefiro o torto, o desvio, a contra-mão.

Amanhecer é difícil.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Nada de novo

Atividades demais. Sonhos anotados, recorrências (in)afetivas, intuições; percepções, equilíbrio(?). Catarse, poesia solta. Solidão voluntária. Caminhadas a noite, observação. Ceticismo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Vírgulas demais

Flores há, que não jazem
Vasos que não floream
Hábitos que não morrem
E há um jazz, que não...
Que não sobra!

sábado, 17 de maio de 2008

A Ruiva e as formigas...

Ruiva, eu não sei quantas cartas eu conseguirei escrever para ti, para tu, para você. A sequência não me importa; a subjetividade é imanente ao sujeito, o escrito não tem forma, o lido sim.

Depende de quem lê. Depende de quem bebe, de quem vê, ou de quem rima e acaba com a palhaçada toda na última hora.

Eu juntei meus polegares como se buscasse deus, mas você sabe, eu sei, e metade do planeta sabe, que deus não existe. Isto foi dentro de um ônibus, buscando o acaso, mas o acaso é uma construção tão frágil ruiva, que eu prefiro sempre idealizar você dentro de mim, principalmente no caminho de paralelepípedos amarelos que leva à minha casa.

Eu ando perdido. Sempre perdido, por que é assim que eu gosto de caminhar. Eu costuro as pessoas, caminho as observando, caminho assistindo a vida, que de tão real apenas parece um filme, onde eu, um protagonista decerto miserável tomo controle do destino; destino-roteiro.

Respiro, compro uma cerveja, as ruas estão cheias, extremamente cheias, na verdade as calçadas estão cheias, cheias de impermanência, e as ruas são apenas passagens, nunca se enchem, por que não se enche nada que é um caminho. E meu caminho Ruiva, apenas é caminho quando você passa por ele; só me sinto único, com raízes quando você me acompanha, e aí a realidade faz todo o sentido e consegue se fixar, se fixar. Por que a impermanência é uma regra nossa, uma regra nossa, que funciona sempre quando o mundo continua assim, fracticionado de indentidades suicidas, fragmentado de gente sem caminho, cujo caminho é ser não-permanente, é não ter caminho.

Vivemos sem caminho, vivemos regorgitando nostalgia, por que o presente é uma merda ruiva; sob a calçada há a praia, mas não descobriremos areia plantando concreto ou dizendo que a areia não existe. A gente só descobre as ruivas, quando estamos no limite.

Eu ando enfrentando abismos intransferíveis, pessoais e instransferíveis. Eu junto minhas mãos, eu olho por detrás do vidro dos ônibus, vejo os transeuntes, escondo parte da realidade, eu junto meus pés, estico minhas pernas como se desejasse algo de novo acontecer, mas nada acontece.

E quando acontece, é sempre o velho do mesmo, quando eu me motivo, quando estou extremamente empolgado com o novo, e o novo se estabelece, numa conversa de bar, num esbarrão no fim de tarde, num encontro casual numa kombi às cinco da manhã, eu volto ao meu redor, eu retorno ao círculo, não que eu descarte o mágico, mas as coisas retomam sua normalidade: retomam e ascendem à um estreito caminho; a mágica vira razão, o inesperado vira o óbvio, e a cerveja, acaba esquentando. E eu vejo que nunca houve mágica. A mágica é uma construção de uma cultura de vidro.

E eu acabo seguindo sua trilha, pegando suas pistas, uma flor de papel deixada no canto do bar, um coração de vidro espatifado numa esquina do centro da cidade, um olhar feminino, ignorado e administrado como rotina, ou uma festa onde eu sou o último a dormir.

E eu ruiva, onde eu me preparei, onde eu lhe esperei, e vejo as formigas caminhando por entre as letras, e eu não esperei o nobel, nem as formigas, e ainda assim penso que mesmo que você me encare, eu já fui derrotado.

Você nunca vem.

Você nunca vem...

Eu penso e me preparo. Preparo-me para o quê? Para o óbvio.

Eu sento e enfrento, mas você não vem; o óbvio nunca é tão óbvio, jamais. Eu sento, e desisto, eu escrevo, e acho que sinto; eu junto as mãos, junto a dor, junto você embalada com um laço, um laço lindo, rosa, com um cheiro marcante, com um cheiro de um rosa meio óbvio e aí eu malabarista de letras desisto, desisto repetitivamente com as letras, com o óbvio, com o sinto muito, eu apenas me beb0 e desist0.

Formigas invadem.

Eu chuto as formigas. Com os dedos. E eu acabo o conto, ao cheiro de rosas, sem rimas, com personagens suicidas, repetidas desistências e ainda assim; com as mãos cheias de enfrentamento.


quarta-feira, 14 de maio de 2008

Metáforas: E quem entende?

Publicizei demais isto aqui.

E agora o que sobrou?

Ruiva, o que sobrou?

Olhei umas fotos antigas suas, você está mudada, todos mudam, mas você mudou para algo que eu não reconheço mais. Ruiva, quando o lodo da terapia começou a subir, eu fiquei preocupado em nunca mais conseguir escrever cartas para ti. Eu também me preocupei exaustivamente, em mudar meu estilo. Mas quem está mudando sou eu.

Sem ruivas a vida fica muito mais complicada ruiva.

Eu não sei exatamente onde eu termino e onde eu começo. É uma fase de mudanças.

Digamos que eu odeio a ciência ou todas as pretensões derivadas desta. A psicologia matou o encantamento do mundo ruiva.

Eu matei parte de você, quando aceitei frequentar aquele maldito divã, uma vez por semana.

Ele está me matando ruiva.

Ele está racionalizando o sagrado. Ele descobriu o que era para permanecer preso, intocado e coberto. E o pior. Com a minha ajuda ruiva.

Eu o ajudei a me destruir. Por que não sei bem, se um Vasilli feliz realmente será originalmente o Vasilli que nós dois conhecemos.

Sinto sua falta ruiva. Sinto sua falta na fila do metrô. Na despedida do ônibus, na brincadeira no canto da sala.

Eu sinto falta da tristeza que você me deixou. Eu sinto falta de sentir falta. Por que agora eu tenho quase tudo.

Sinto falta de grandes conflitos. Estou próximo a perder algumas coisas. Entendo outras. Entendo que os controladores estão onde menos se espera. Quando eu acendi aquelas velhas velas, olhei para seus olhos, e fui pingando a cera no seu corpo nu, e você gemendo de prazer, totalmente entregue àquele momento, eu percebi, e como percebi, que havia um quê de sagrado em nossa relação, eu mais sensorialmente voltado às letras, mas você, entregue e possessivamente me abraçava, sem parecer não tão possessiva e não tão submissa, o que de certa forma eu adorava, me envolvia em teu manto de certezas e beijava-me com vigor, com toda o esplendor do teu corpo.

Eu adorava, e te idolatrava, quando você mantia seu lábio junto ao meu, quando sua respiração ofegava em tentar me encontrar, quando eu perdia o controle e você, estava lá, não para me observar, mas para me guiar carinhosamente, entrelaçando seus dedos em volta ao meu, quando nós, em nossas sequências de carícias, e não eram sequências, por que esta palavra não é digna do que acontecia ali, em cima da cama, quando as coisas aconteciam; eu respirava fundo, eu me entregava a você, eu me dobrava como um sino, e nós chegávamos ao paraíso juntos.

Era interessante perceber, tentar relembrar velhos sonhos, tatear tua pele de forma como se fosse a primeira vez que eu tocasse um corpo humano, e você, fazia exatamente o jogo que eu imaginava, mas sempre me supreendia, e para isto usava um gemido mais forte ou mais fraco, e eu pensava que meu espírito situara-se além de um estado de bem e de mal.

Era noite e frio, mas ainda assim comprimíamos nossos corpos nus, e o mundo parecia não existir ao nosso redor, enquanto ensaiávamos jogo de gato e rato com nossos lábios, com nossos sexos e corpos, imbuídos de prazer, fluidos e vontade de nos jantarmos mútuamente.

Era simplesmente tão espúrio à vista de falsas liberdades superficializadas por metas emocionais quase que administrativas, que nossos sonhos vinham a tona, e conseguíamos por um momento nos libertar das maiores prisões.

Vou prosseguir. Beijando teus olhos no infinito.

Mesmo que eu não te encontre nunca mais, miragem necessária.

O Solipsismo de Carlos

O cabelo cresceu junto com a introspecção. A barba fazia regularmente; demonstrava um senso de erudição vago e não permitia que conversas ocasionais descambassem para intimidades ou especulações sobre procurar ou não um terapeuta.

Lia Kundera e criticava os romancistas alemães, mas no fundo gostava, pegava panfletos na rua, colecionava atividades enfileiradas, escutava velhos conselhos e escrevia pouco, pouco.

O mecanismo impedia-lhe de conservar coisas simples, lavar um tênis, frequentar um médico, arrumar um armário, pintar um quadro por mês...

Quando deparavam-se com a originalidade diziam bem alto: Já foi dito!

Já escreveram! Pintaram! Velho demais!

Novo demais! Volte outra vez!

E quando não se contentavam, havia a resposta padrão: plágio de si mesmo, plágio de si mesmo, não posso contribuir com a decadência estética da arte. Volte outra vez! Tente novamente!

A luz apagava, mas seu senso de auto-preservação não, apesar da música e das regras que costumava impor: aos leitores vagos frases curtas, aos concentrados picava metáforas salpicadas estratégicamente, e ainda assim, ainda assim, desolado escritor sem fama: Carlos era um perdedor.

Diziam, chamavam este fenômeno, o de perdedores em massa, de pós-modernidade. Na verdade eram os mercados estreitos. O que os economistas, após fecharem as braguilhas sob a égide intestinal do aparelho digestivo num sábado à tarde pós-churrasco, chamavam, digo, pensavam de mudanças estruturais da economia.

Menos gente no topo, mais gente na base. E então, difundiam que aqueles, os da base, eram os perdedores. Gente sem talento.

Alguns inventavam teorias mais originais: As coisas poderiam realmente estar se repetindo. Monotonia cultural. Inércia intelectual.

E os mecanismos continuavam lá, impedindo por exemplo, a subjetividade de um conto. Quando for tão subjetivo terá 50 anos e uma conta bancária gorda. Gorda como a do Sarney. E ele entrou na ABL. Teve escrutínios.

Um solipsismo de massa nunca é bom pois Carlos gostava de causar uma certa confusão na leitura.

Uma filha poderia ser um verbo, um verbo um adjetivo, um adjetivo uma ação. Bastava-se de princípios e instintos formulados ao acaso.

Solipsismo demais o impedia de alcançar o topo. E Carlos indiginava-se com a distribuição de poderes. Ainda mal distribuído. Preferia o absolutismo, ou tudo ou nada, bradava!

E nem democracia total vivia, ainda era algo meio termo. Uma mescla de algo que se convencionou apelidar de crise dos sujeitos, crise das identidades.

Não queria prosseguir no conto, o solipsismo o invadia. O leitor poderia acabar, escrever o que quisesse. Ou apreciar até onde lhe aprouvesse. Não se importava.

A qualidade do conto é imanente ao sujeito.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Calar-se

Quando não se tem muito o que dizer, é melhor ficar calado.

Parece óbvio, mas não é.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Paz Interior

No banco do parque
Pardais e Tico-Ticos
Pontuam silêncios

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Duvido que leia

Vasilli sentia-se numa fase particularmente inédita. Inédita por muitos motivos; um deles referia-se à vodka, esta não era mais um consolo amigável, não que fosse um alcóolatra de profissão, e estava bem distante desta categoria, todavia começara a desconfiar do ciclo ascendente que estabalecera como premissa para produzir material literário; portanto, bastava-se, sem álcool demasiado, mas com demasiadas outras muletas ainda pendentes.

Desconfiava desta sua fase mais esperançosa, a desconfiança era sistêmica e racional.

Ao lado desta, residia um medo intenso, ou de tornar-se uma paródia transmutada em livros de auto-ajuda ambulantes, e sentia-se como um grande livro de auto-ajuda, quando lhe pediam conselhos afetivos por telefone, por cartas, com desconhecidos em mesas de falsos pub's no outono ou quando simplesmente era obrigado a citar cinco ou seis frases de efeito, que ele mesmo criou, para tentar convencer meia dúzia de amigos. Era cansativo.

Quando a ruiva entrou no bar, decidida a acabar com a farsa, exigindo respeito com dois goles rápidos e sufocantes de um conhaque ruim, ele já sabia que escutar jazz, apesar de clichê, era bem apropriado para o local.

Um bar sujo, uma vitrola que não funcionava muito bem, uma mesa de bilhar abandonada, meia dúzia de fregueses ruins, bancos de madeira contornado o balcão, um balcão ainda respeitável, apesar do garçom detestar jazz, e lá, a ruiva, batendo o copo vazio na madeira, e provocando um embate.

- Lembra do nosso primeiro encontro?

- Lembro.

As pausas propositais, quase sepulcrais duraram um gole da cerveja; Vasilli lembrou-se do último enterro em que foi convidado. Nada agradável, pranto, doença fatal, flores baratas e a repetição esdrúxula de etiquetas sociais(como as que utilizava para comprar pão por exemplo).

- Você estava usando aquele jeans comprado no Alabama.

Ela gargalhou. Ele ainda conseguia lhe fazer rir.

- Isto é muito clichê não?

Ela sorria... mostrando seus lindos dentes.

- Demasiado. Pontuou, Vasilli.

Ela gargalhou ainda mais, mas ensaiando um ponto final exclamou:

- Não gosto das suas cartas Vasilli. Não gosto mesmo, elas me enjoam. Você está fazendo exatamente o que disse que nunca faria. Puta merda, mas que contradição!

Duvido que leia, ele pensou.

Enquanto o garçom limpava o balcão, Vassili esboçou um sorriso no canto da boca; mas a piada dos clichês já não fazia mais sentido, e foi aí que surgiu como sempre surgia nesse frenesi de associação livre, a idéia de que boa parte das pessoas ensaiavam clichês em comportamentos, os arquétipos... A história não está tão errada. Mas isto só emergiu, depois de conectar sequencialmente o jeans fictício da Ruiva, ao Alabama, ao documentário sobre o racismo no sul dos E.U.A, a música pop americana, aos literatos norte-americanos, a um ou dois amigos fãs de Bukowsky e por fim, clichês; mas que volta.

- Nunca me esquecerei daquele saxofone Ruiva.

- A noite cinza. A garrafa de vinho quebrada. A luz baixa era desagradável...

Ela calou, olhava Vasilli compenetradamente, e ele já sabia que apesar de compreensivo, ele não poderia recuar.

- Faltava-me maturidade. Agora o que me sobra é em parte o que eu desejo perder. Ontem eu conversava com um homem-robô. Sabe o que é um homem robô? Uma pessoa que não consegue mais se mover naturalmente, por que seus traumas o conduziram a um engessamento da alma.

- Que se dane ruiva, eu não quero ser um engessado. Jamais.

Não o interrompeu por educação? Vassili não sabia. Decerto, seus mais curtos(agora) cabelos vermelhos(sempre), refletiam o whisky, que enganava o garçom, perdido lavando copos, escondia os clientes chatos no fundo do bar e o mundo rodopiava, rodopiava soçobrando Vassili cujas velas eram a ruiva. A ruiva movia aquele lugar.

Ela falava pouco, mas gestualmente era um monumento literário vivo.

- Eu te amava russo, mas você perdeu sua chance.

(Vassili achou que ouviu, mas não, ele não ouviu, ela nunca diria isto diretamente, precisaria rodopiar, por que estava numa posição defensiva que poderia desestabilizar seu falso compromisso com a sensibilidade)

- O que você disse?

- Que eu te falava. Que eu sempre te falei, que não há volta quando se ultrapassa o ponto limite Vassilli.

- E atingimos este ponto?, encheu o copo pediu mais cerveja.

- Talvez.

Papos deste tipo sempre os enojaram. Esse jogo de xadrez, este tango emocional, era danoso para a alma, mas profundamente enriquecedor para jogos de metáforas.

- Eu te amei. Te amei como um estúpido. Mas quem disse que o amor é inteligente...

- Suas cartas são... ela disse. São boas; são como você diz, farto material literário. Elas são isso tudo Vassilli, mas... você não entende... É hora de esquecer o Saxofone. Esquecer não. Desesquecer. São coisas diferentes, você sabe.

- Poderíamos falar sobre isto a noite toda não é? Até mais. A semana inteira.

- Sim. Mas o fim nunca é poético o suficiente. O fim sempre é ruim.

- Como o fim do Nato, Vasilli exclamou.

- Sim. Ela respondeu erguendo a cabeça . Como o fim do Nato.

- Ruiva... disse ele, interrompendo a melodia e gerando um tom de voz que desarmaria qualquer oposição.

- Fala. Diz.

(Ele pensou duas coisas. Duas possibilidades: A ruiva é uma ilusão necessária, um combustível do meu ofíciou ou eu inventei isto para justificar algo que eu não posso assumir totalmente, que ela tem o controle de Eros, a Eros de Vasilli.)

- Vou pagar a conta e...

- Não quero mais escutar jazz. Vamos embora!

Das necessidades da Revolução

A revolução precisará de mulheres e homens. De carne e osso, e espírito. Espírito de luta, de revolta, de esperança e amor.

A revolução precisará da liberdade; pois sem ela, tudo estará perdido antes do princípio.

A revolução precisará do acaso, do inesperado; porque mesmo sem deus, é necessário confiar no não controlável.

A revolução precisará da história, mas esta, até hoje, nunca esteve ao lado das revoluções.

A revolução precisará de poetas. Não para escrever sobre ela mesma, por que a única poesia digna de menção é a que se constrói com as próprias mãos.

Zapata nunca morreu

1919

Cuautla

ESTE HOMEM ENSINOU-LHES QUE A VIDA NÃO É APENAS MEDO DE SOFRER E ESPERA DE MORRER *

Teria de ser à traição. Mentindo amizade, um oficial do governo o leva para a armadilha. Mil soldados estão esperando por ele, mil fuzis o derrubam do cavalo.

Depois é trazido para Cuautla. Mostram-no de barriga para cima.


Os camponeses acodem de todas as comarcas. O silencioso desfile dura vários dias. Ao chegar frente ao corpo, param, tiram o chapéu, olham cuidadosamente e negam com a cabeça. Ninguém acredita – falta uma verruga, sobra uma cicatriz, esta roupa não é dele, pode ser de qualquer um esta cara inchada de tanta bala.


Os camponeses cochicham sem pressa, colhendo palavras como milho:


- Dizem que foi embora com um compadre para a Arábia.

- Que nada, que o chefe Zapata não foge.

- Foi visto pelas montanhas de Quilamula.

- Eu sei que dorme numa cova do Morro Preto.

- Ontem à noite, o cavalo estava bebendo no rio.

Os camponeses de Morelos não acreditam, nem acreditarão nunca, que Emiliano Zapata possa ter cometido a infâmia de morrer e deixá-los sozinhos.

* Fragmento extraído de “O Século do Vento”, de Eduardo Galeano. Porto Alegre, LP&M, 2005. Eduardo Galeano, conforme indicação no livro, utilizou-se da obra de John Womack Jr. “Zapata e a Revolução Mexicana”, para a sua composição.


(agradecimentos ao Fábio, companheiro de graduação que me enviou por email!)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Geralmente Obcecado

Abril é o mês! Nunca escrevi tanto! É o lodo da terapia subindo... hahahaha!

A arte do desesquecer

Lembrar é fácil. Desesquecer é difícil. Antes que apontem o erro, devo diferenciar. Esquecer pode ser até mais conveniente, mas não funciona.

A arte do desesquecimento nunca foi passada para os ocidentais.

É por isso que todos esquecem. Esquecem e recalcam monstros, alimentam-os no recanto mais escuro de suas almas e inconscientes de sua presença, nos momentos de comoção nacional, quando matam uma menina a pedradas ou um garoto classe média executa a família a golpe de machadinhas e o pilar da falsa normalidade da sociedade parece ruir, conseguem então, por acaso das notícias e dos jornais ensaguentados enxergar o lado obscuro com maior nitidez.

No entanto, desapercebidos de suas próprias constituições psíquicas, o inferno passa a tomar conta do outro e não de si mesmo. Expiando o mal do outro, expia-se o próprio e assim a sociedade cristã e capitalista, termos que para Cristo pareceriam-lhe contraditórios, caso decidisse andar pelas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro ou nos guetos de Gaza, próximo a Hebron, fecha seu próprio ciclo e nega o que sempre existiu em si mesma.

Na verdade, a arte do desesquecimento era uma arte relativamente difundida; e diziam os antigos gritos, que todo ser humano conseguia desesquecer, o que significava, reduzir a um ponto abstrato uma memória concreta e significava literalmente "apagar" e não "esconder".

Há muitas teorias, e não me alongarei sobre nenhuma, mas o desaparecimento do desesquecer se deu segundo os relatos mais confiáveis que tive, em uma tarde de sol forte, num continente que já fora chamado de Australis incógnito pelos mais ambiciosos.

Quando a civilização e as forças reais da coroa britânica chegaram, o evenenamento de crianças e mulheres com Arsênio tornou-se comum e a caça de animais era um diversão secundária comparada a caça de seres humanos. As mulheres violadas e as aldeias queimadas, deram lugar ao sequestro de crianças e ao trabalho semi-servil. Era Deus chegando ao lugar, na presença da senhora majestade da Inglaterra. Contudo, um velho aborígene, o mais velho ancião da tribo, resolveu guardar o maior segredo daquele continente perdido num vaso de barro.

Enquanto um grupo de britânicos, fuzilava os homens e pisoteava as mulheres, o velho escondeu o desesquecimento, para que nenhum britânico revelasse aquela arte para o restante do globo...

E mesmo que todos tentassem esquecer aquelas atrocidades, elas ainda ficariam guardadas num lado escuro, dentro de todos nós.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Miguéis

Miguel gostava de transbordar todo singular em plural.

Quando lhe desejavam boa noite, ele respondia, boas noites, por que uma noite boa, não é de modo algum, suficiente para uma vida toda.

Seus amigos já conheciam esta obsessão, e não o incomodavam mais; decerto estranhavam, quando ao no final das conversas, diziam "vá com deus", Miguel os corrigia, por que um deus só, nunca é suficiente; e era melhor ter a proteção de vários, para agradar todas as religiões, mesmo as panteístas.

Para alguns, Miguel aparentaria ser um sistêmico, mas quando sentava no bar, jamais se contentava em pedir uma cerveja, quando diziam, "traz uma cerveja" aos garçons, ele imediatamente os corrigia, e aí a noite acabava como sempre, estatelada na singularidade de seus amigos e na pluralidade de Miguel.

Uma vez num comício quase apanhou; político safado não; políticos safados; e foi o suficiente para arrancar aplausos populares, latas voando e pescotapas de leões de chácara contratados por excusos e distintos candidatos.

Era tão polêmico quão, quando em sua habitual conversa de esquina com seus amigos, afirmava que não havia um ser humano e sim seres humanos.

Miguel e sua pluralidade, era motivo, digo, motivos de discussões, mas permanecia sobretudo singular quando lhe afirmavam que "tinham que lutar sozinhos por uma vida melhor para si", e aí afirmava sem vacilos, que tínhamos que lutar juntos por vidas melhores para todos."


domingo, 27 de abril de 2008

Matheus e o criador

Matheus, um jovem sem dúvida não tão normal, mas não tão diferente, em uma de suas viagens oníricas e sempre tinha grandes e enebriantes viagens oníricas, topou com o todo criador em suas andanças.

Inicialmente perguntou: Por que você me fode tanto?!

- Mentira! Eu não te fodo tanto! Você é um origami.

Acordou com um mau humor naquele dia que o café não fora habilidoso o suficiente para desarmar.

Nas semanas subsequentes, no transcorrer dos sonhos, outros avisos apareceram de maneira esporádica.

- Você é um origami, mas tem gente que é um cubo mágico!

- Cubo mágico? Como você pode ser tão mal com as pessoas... Eu achava que você existia para nos proteger!

- Do que você tá reclamando seu maldito origami! Gritou deus, com insatisfação, brandindo seu cajado, sua barba branca e seu saiote ridículo. Mais uma destas e eu te transformo num jogo de armar entendeu?! Num jogo de armar!

Eram oito e trinta e cinco, a irritação com o todo poderoso durou cerca de doze horas, até o fim do expediente; ensacava livros num departamento de exportação de uma editora, aquele filho da puta era realmente um puto de um cínico! Mortes, destruição, assassinato em série! Se deus existia, e ele viu que o puto existia, era sim um belo de um hipócrita!

Resolvera anotar o que iria dizer para jeová. Anotou antes de deitar, já vestido de pijama, desta vez o velho iria escutar uma daquelas.

- Me explica essa parada de origami. E como assim jogo de armar? Qual a diferença?

- Olha só garoto, você é um origami, eu só te dobro quando eu to entediado, mas apesar dos vincos eu ainda consigo te dobrar infinitamente. Pensa bem, tem gente que eu faço jogo de armar, castelo de cartas... Já brincou de pega vareta?

- Já.

- Pois é. Então, imagina ser desconstruído quase toda a semana? Deve ser uma bosta não?

- Muito... mas que deus é você que brinca de poesia com as pessoas! Caralho, você deveria nos ajudar! Salvar o mundo!

- Poesia? Literatura é só para o final de semana meu garoto... Você já ficou entediado, como na fila de espera em clínicas dentárias?

- Sim, várias vezes.

- E já digamos, jogou algum passatempo ridículo nestes momentos?

- Como sudoku ou palavras cruzadas?

- Exato. Já?

- Já. Muitas vezes.

Pois então. Digamos que você pertence a esta categoria.

sábado, 26 de abril de 2008

Diferença

Gil queria ser diferente. Tornou-se igual à Roberto.

Roberto apreciava bandas britânicas e gostava de usar roupas com losangos vermelhos.

Roberto era igual a todo mundo, nunca desejou ser diferente. Seu mundo era Júlia, Ricardo e Elaine. Júlia, Ricardo e Elaine também gostavam de losangos vermelhos e bandas britânicas.

Gil agora, fazia parte do time; dos diferentes.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Passivo espectador

Meu quarto, geladeira e fogão podem até não produzir minhas idéias.

Mas que me dão tranquilidade para parí-las isto sim dão. E como.

E como bastante, há noite, claro...

Desta tranquilidade podem vir as coisas mais abstratas, absurdas, abscenas; posso a partir daí simplesmente me acomodar com o controle nas mãos; o da tv, não da vida e por fim renunciar aos problemas com um toque de teclas.

Acessar a informação com um clique e descobrir por exemplo, que a abscena é um dos neologismos possíveis de serem gerados a partir do casamento do senhor obsceno com a senhora barriga cheia.


quinta-feira, 24 de abril de 2008

Endocardite Infecciosa


Quando morri de Endocardite Infecciosa
E que enterro lindo; com flores e lágrimas abundantes...
Perguntaram-me apenas no óbito
Se a doença se escrevia com letra maiúscula ou não.

O desleixado

Não queria beber mas acabei bebendo.

Não queria sofrer mas acabei sofrendo.

Não queria pegar o ônibus errado, mas acabei pegando.

Não queria voltar pra casa sóbrio e acabei voltando.

Não queria fazer listas do que eu não queria fazer.

E eu consigo sentir apenas a minha respiração?

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Utopias

Pavimentando sonhos
Estão livres no céu
As estrelas

Idéias na madrugada

As idéias fervilham e me mantém acordado às quatro da manhã. Lembro-me de uma discussão típica dos cursos de graduação: A idéia é determinada pelas condições econômicas? Ou subsiste independente destas?

Enquanto procuram o ovo ou a galinha, eu me sinto um privilegiado, por que ser acordado por idéias ainda é muito melhor do que pela fome.

Perguntas aos socialistas - parte I

Perguntei aos meus amigos socialistas, por que eles lutavam.

- Porque é a coisa certa a se fazer.

- Por que sem isto não viveria tranquilamente.

- Por que esta forma de organização social está profundamente equivocada.

- Por que entre o conformismo generalizado e a luta, escolhi a segunda.

Perguntei aos meus amigos socialistas, o que fariam depois da revolução, caso pudessem vivenciá-la e no mais geral respondiam: - Nunca parei para pensar nisto.

terça-feira, 22 de abril de 2008

A assembléia I

Gastão falava com emoção. A sinceridade brilhava nos seus olhos, nos seus gestos, em sua voz. O chão de cimento batido, crespo abrigava o povo sentado, reunido; era sua vez de falar e todos ouviam com atenção. Fora das frágeis paredes de madeira, chuva, ladeira e ruas e vielas escuras: um bairro abandonado pelo deus das missas e das hipocrisias de final de semana, fazia frio, e aqueles homens e mulheres ali, debatendo.

- É preciso que nos organizemos companheiros. Um passo após o outro; e em breve uma longa jornada.

Não acreditavam em partidos; seus políticos eram alvos dos intervalos e das piadas. Marcaram outra assembléia, nos apertos de mão, esperança.

Todos ouviam Gastão com atenção, por que acreditavam em si próprios e era sua vez de falar.

As ruas do centro da cidade - II

O tédio invade a face infantil de um filho de um vendedor ambulante. Sobre a banca, frutas, legumes e esperança. Há um aroma de carinho, em torno das frutas e da relação entre pai e filho. A cidade é paisagem, e aquela cena, a moldura.

Ninguém presta atenção nas molduras.

As ruas do centro da cidade

No centro da cidade, à tarde, um homem dorme profundamente. Sua cama é um papelão, o seu travesseiro uma mochila, o seu quarto é o chão. Como consegue dormir nessa situação?

Na zona norte da cidade, a noite, eu me lembro da cena e não durmo.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Revolver

Acendi a luz, só para ver as teclas da máquina de escrever; enquanto observava a nuvem esconder a lua, uma nuvem rosada como meu senso de auto-preservação, e surgiu em mim uma série de reflexões, reflexões não tão glamourosas, que por princípio preencheram parte do que eu desejava preencher, mas que na verdade, atentavam para a possibilidade desta ser uma noite muito original.

A luz parecia então suficiente; e foi assim,. que ignorei a lua e comecei a me concentrar na maldita máquina de escrever, e como um autômato incontrolável, perseguia cada tecla como se estivesse dominado pelo ódio, mas na verdade, apenas descarregara, parte da tensão acumulada, sobre um dia, ou dois, de luas, nuvens rosadas e princípios, em factíveis teclas de uma velha máquina de escrever.

E cá estava, fingindo equilíbrio, mas de certa maneira eu achava e sentia que estava realmente equilibrado. Eram quatro ou cinco da manhã, mas enquanto eu ajeitava o relógio biológico, e tentava escapar da insônia crônica que eu resolvi adotar como filha, parte, um pequena parcela de mim, infrigia as regras préviamente estabelecidas e resolvera recordar, recordar com a extremidade dos pulmões ou o fôlego dado aos poetas e vencidos.

Eu não podia mais fantasiar minha atual situação. O que eu queria era apenas esperar, esperar como todos os ansiolíticos aguardam algum tempo para agirem. Gostaria de esperar e saber realmente o que iria acontecer daqui para frente.

Por conta resolvi apenas desesperar-me em lembranças; em pedaços de investigação amnesíaca.

Por fim, transpareço uma calma e sernidade, que ainda, eu disse ainda, não são minhas...


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Fugazes amores de verão

E como se não bastasse o que restou
Você me tomou em tuas dúvidas

Tomou e levou, parte do que podia
Ainda, ser distribuído a outras

A Outrém caberia apenas
Confeccionar desculpas
Mas você foi além...

E afogou parte da esperança
Nas pausas para o jantar

Havia envelopes coloridos, beijos no canto da boca
E livros do Neruda no entremeio das férias

Mas você decidiu fazer jus aos sentidos
E matar o sagrado no canto da boca

Conquanto no mundo cínico - os que acreditam
No inédito, pelo inédito morrerão

Eu não poderia saber bem
O quão ávido em tua presença
Esculpiria mais uma história de amor
Fracassada!

Da próxima vez...
E lembre-se bem, nunca há próxima vez

Deixe ao menos o dinheiro para a terapia!!!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Insoníaco

Definitivamente, estou cansado de ter insônia.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Projeto para este mês

Reunir todos os contos; compilar tudo. Corrigir e cortar gordura. Tentar escolher os menos piores.

Vai dar trabalho...

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Inoportunas notícias

Semanas corridas. Atividades demasiadamente cansativas.

Há um conto velho sendo parido, com cheiro de novo... aguardem...

domingo, 13 de abril de 2008

Verde e Vermelho para sempre


O vermelho (do latim vermillus – "vermezinho": a cochonilha) é a cor do sangue, sita no limite do visível do espectro luminoso (abaixo deste comprimento de ondas, o infravermelho, não é mais perceptível pela visão humana). Também é conhecida como escarlate ou encarnado. É cor-luz primária e cor-pigmento secundária, resultante da mistura de amarelo e magenta.

* O prefixo grego para vermelho é Eritro-.


O verde é uma cor-luz primária e uma cor-pigmento secundária composta pelo ciano e amarelo. Está aproximadamente na faixa de freqüência 550 nm do espectro de cores visíveis.

Verde também representa a luta no mundo de movimentos de proteção ao meio-ambiente.

Retirado da wikipedia.

sábado, 12 de abril de 2008

Roberto Cardoso não acredita na raça humana


Falam que beber sozinho é ruim. Falam que beber sozinho é sinal de alcoolismo. Que só se bebe para socializar com outros humanóides.

Pois bem, meu nome é Roberto Cardoso. E eu não bebo para me socializar com ninguém.

Até por que não acredito mais na raça humana. Tem gente que me chama de niilista. Mas eu também não gosto de filosofia. Pau no cú dos filósofos. E aí me chamam de sexista.

Alguns falam que eu sou misantropo. Fui procurar no dicionário, era algo que dizia alguma coisa parecida com o que eu sou.

Na verdade, eu não gosto muito de beber com ninguém, por que as pessoas resolvem ser o que elas verdadeiramente são, e um pouco de hipocrisia é bom, por que ninguém que se preza, se revela com cinco cervejas na mesa.

Gosto do mistério, do não descoberto. Na verdade... Eu não gosto é de perder tempo tentando revelar ninguém.

Eu prefiro me enclausurar no meu próprio caminho. Gosto sim, de tomar cerveja sozinho, por que só tenho de aturar eu mesmo; e isso já é suficiente demais...

É suficiente, por que eu sinceramente não me adapto. E tem gente que diz que todo mundo se adapta. Mas estas pessoas, estes humanóides, não se recordam de que tem gente que não se adapta nunca. Falam para eu ter esperança e dizem que a esperança é a última a morrer.

Mas ninguém disse que ela não morre! A esperança morre merda, demora a morrer, mas morre!

E aí, só me sobram sete cervejas, num final de semana perdido. Perdido para quem? Para quê?

Meu nome é Roberto Cardoso. E eu não bebo para me socializar com ninguém.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Escutando chorinho e tomando café

Sou um filho do cansaço. Mas quem diria, um cansaço feliz. Por que quando a mente está forte, o cansaço físico é um amigo, não um persecutor.

Andei contando todas as atividades que eu faço. Me assustei. São muitas, em alguns momentos mais do que consigo suportar. Como consigo fazer tanta coisa? Nem eu sei. Talvez vontade. Vontade de me mudar, de mudar o mundo. De não parar jamais. De lutar contra a engrenagem devoradora de gente até o último segundo. Não há como me resignar frente ao cinismo ou a comodidade. Olho para a frente e só vejo terra batida.

É preciso construir... trilhar caminhos... aglutinar-me.

Mas quando a cabeça vai mal, o corpo padece. E sim, há um preço a se pagar. O jeito é tentar me equilibrar. E saber quando golpear e como golpear. Afetivamente há uma lacuna não preenchida.

Mas descobri nos pequenos prazeres cotidianos um mundo que se descortinou. E isso por enquanto me basta.

Viver é delicioso. É como tomar uma chícara de café durante o tempo frio. É como refrescar-se com um banho de cachoeira no calor. E é isto, e é muito mais do que posso metaforizar. E é um dia após o outro.

Tomar decisões não é difícil. Difícil é cumprí-las. Mas atualmente ando fiel às minhas promessas.

Até demasiadamente.

Preciso absorver menos. Vá com calma. Há muito a fazer, muito a construir, mas... relaxe... você está acelerado.

A mente ocupada mata o passado, mas também pode matar o presente. Eis o futuro! Passou, ninguém viu! Estou mais feliz. Mais do que semana passada. Ainda não durmo muito bem. Um dia eu chego lá...

Sonhos e projetos à vista. Vire o barco à esquerda timoneiro, cuidado com aquela pedra, desvie do coral, ajeite a proa, sim, vamos velejar. E espero que semana que vem eu consiga tirar alguns dias para me curtir.

Esvaziar-se é preciso.

obs: depois de algumas noites mal dormidas, algumas catarses interiores e sistematizações de memórias pretéritas(não tão pretéritas - ainda sinto-as reverberarem tão próximas como a dois dias e meio de viagem), em breve sairá um pseudo-conto sobre isto. Meu senso de humor voltou.






terça-feira, 8 de abril de 2008

Um doido e alguns pingos de chuva

Falta mistério ao mundo.

Hoje fiquei observando os pingos de chuva enquanto voltava para casa, há dias chove, e há dias comecei a observar os pingos de chuva. Mantive-me fascinado: como era belo aquele momento, trivial, mas único. O legal é que você olha de longe da luz, e vê os pingos caindo perpendicularmente ao solo ou como seguissem uma trajetória reta, mas não... se você se aproximar e ficar embaixo da luz do poste, e esticar bem o pescoço para cima, olhando os pingos de baixo para cima o máximo que puder, vai ver que os pingos caem aleatóriamente, sambam e flutuam ao sabor do vento sem nenhuma direção apenas caem.

É a aleatoriedade caótica daqueles milhares de pingos, que dá a falsa sensação de linearidade ou seria nosso olhar cartesiano que está condicionado? Reflexões filosóficas a parte, pouco importa.

Pelo senso comum, por um breve momento de chuva, sou um doido varrido. Pois é. Cada um constrói os conceitos que quiser. Aliás realmente é preciso classificar a loucura, enquadrá-la; isto protege a identidade, o mundo dado(ou como diriam em linguagem mais acadêmica "reificado") e não ameaça nossas certezas. Convicções arraigadas necessitam ser mantidas. Abismos são perigosos, dúvidas mais ainda! E um doido olhando para a chuva? Por que se comporta assim? Por que usa o cabelo daquele jeito? Por que é diferente de mim? E por que eu sou diferente dele? Por que age daquela maneira? Por que me deixa com dúvidas acerca do meu comportamento, do que eu sou, da minha identidade tão pronta, tão acabada? Por que não segue a corrente? Por que vai no fluxo errado? E eu? Não! Preciso me proteger! Estou no fluxo CERTO, ele é o doido!

Como as pessoas estão pragmáticas, objetivas, perdendo-se em coisas óbvias...

Acabou o mistério de se redescobrir o mundo. E aliás, para quê? Se já está tudo PRETENSAMENTE descoberto... com a internet, com a tv a cabo e a revista de final de semana eu já sei tudo o que se passa... não há um pequeno grande mundo a se descobrir, repleto de detalhes, de infinitos que vão se descortinando diante o cotidiano. Há apenas fórmulas, explicações técnicas, expicações científicas, a modernidade negando o desconhecido apenas por capricho e oni(pre)potência.

Estão negando o mistério, matando-o. Falta mistério, falta sensação...

E bem que eu queria compartilhar mais pingos de chuvas, mas no momento, os relacionamentos(das pretensas amizades aos pretensos relacionamentos amorosos) parecem mais acordos empresariais do que própriamente relacionamentos(avalia-se os riscos ou os lucros e ponto final chega-se a um acordo).

Que cada um cave um pouco mais de mistério em si mesmo e no mundo e talvez daí possamos começar a compartilhar pingos de chuva.

domingo, 6 de abril de 2008

O dionisíaco por Eduardo Galeano

"Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar.
Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa:
É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem.
Ou seja: ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca."

(Eduardo Galeano)

sábado, 5 de abril de 2008

Tudo é quente em Nurenberg

Havia pedaços de papéis espalhados sobre a mesa, alguém andara brincando com alguma tesoura, ou enviando cartas-ameaças anônimas para alguém. Sobrava insônia e faltava prazer, como denunciavam as pilhas de livros não-lidos, as folhas e folhas corridas meio-dobradas, meio jogadas, que ele teria de revisar. Quem mandou. Ser escritor não é fácil. Um escritor simplório e medíocre, pior ainda. Ocupar-se de revisões e outras burocracias linguísticas não era muito o que sonhara para si, mas era o que tinha de mais concreto naquele momento. E por um breve instante, resolvera abandonar o concreto de suas obrigações para tentar dormir, em vão. Acordado, seria mais útil reconstruindo o concreto, mas preferiu ficar no abstrato e tentou(ensaiou), uns contos concretistas que sua inconsciência guardara dentro de si durante duas semanas.

A maioria calava-se. Alguns poucos, diziam que escrevia muito. E menos ainda, elogiavam. Kafka morreu pobre, Jesus foi crucificado e uns outros tantos, faleceram com tuberculose.

O mal da vez era a dengue hemorrágica, nem de doenças literárias podia morrer. Estava malfadado ao sucesso neste sentido. E que bom...

Assim poderia repetir fórmulas gastas, reinventar neologismos inacabados, e reunir setenta e seis palavras num domingo à noite repleto de nostalgia.

Fazia parte. E ele sabia que seu único remédio(além do álcool), era catarsiar-se, destrinchar-se, cortar nervo por nervo, alimentar com sangue, suor, com tesão e ataques aleatórios no sistema nervoso, as letras. Letras sim, geridas num útero de angústia, e para angústia mal-curada receita-se escrever de cinco a seis vezes por quinzena; abandonando os solstícios, que são datas específicamente relevantes para falsos ensaios acadêmicos.

No outono pediam-lhe mais vigor. No verão, enchiam-lhe de desprezo. Fazia parte da vitrine. E uma vitrine tosca; parecia mais calmo. Não sabia realmente se pelos dois dedos de whisky, ou pela escrita intempestuosa e libertina que se permitiu a fazer às quatro e seis da manhã.

Xingava e falava sozinho, com seus cigarros e com seu cinzeiro; abafava o grito endossado pelas linhas pretéritas com a tensão de suas próprias reservas. As reservas impostas à escrita, incentivavam-o a escrever sem reservas. Plagiador do bom não se nota.

E passa assim. Desapercebido, como uma esquina de carros virados em algum maio de Paris.

Resolveu imprimir uma apostila aos poucos, lia todos os dias antes de dormir. Imprimia algumas páginas, lia um pouco, dormia. No dia seguinte, fazia a mesma coisa. Era como cozinhar. Nunca sabia realmente qual era o diâmetro exato de sua fome; por letras ou por alimento.

Então, pensava, hoje serão dez, amanhã talvez vinte. Às vezes lia noventa por cento. Mas frequentemente ia até o final; odiava desperdícios. Desperdícios de letras, de poemas, de recursos, e principalmente de afetos.

Era sim um balde de afeto desperdiçado. Normalmente desperdiçava pela amanhã. Quando acordava, jogava as duas mãos para os lados, como em um movimento pendular de um relógio. E a cama, prostava-se vazia. Vazia.

E ele não ligava. Apenas ria. Era um ritual engraçado. E sentia graça mesmo. Chegava a rir de si mesmo. E ele lá. Cá dizia. Cheio de afeto e amor para dar. Rimando só para se sentir mais importante.

E nada acontecia. Então, era afeto desperdiçado. E ria novamente, só para ter a certeza de que não perdera o bom humor; e sim, isto sim não tinha desperdiçado.

Às vezes fazia-se de sério, ou jurava a si mesmo que seu estado civil era: desinteressado. Mas a quem iria mentir? A si mesmo? Sim. E desta vez, com convicção. Pois sabia que uma mentira repetida mil vezes, virava verdade. Paráfrase aludida aos malditos nazistas. Que repetiam jargões, incessantemente e convenceram metade do mundo, com panzers e canhões diga-se de passagem.

Não sabia bem por que incluiu os nazistas no texto. Mas logo após, num instante tão curto como uma vírgula, recordou-se vívidamente: pela manhã, sim, aconteceu pela manhã, pois sim, escritores amadores acordam cedo de vez em quando, pela manhã ele já não suportava a si mesmo quanto mais o mundo.

Mas o mundo, o mundo ao seu redor(e os malditos nazistas), movia-se frenéticamente. Num desses flancos, em que a dignidade e o cinismo insistem em conviver juntos, esbarra com uma mulher, mãe e negra, segurando carinhosamente seu filho no colo, o mundo parecia não existir ao seu redor; estava sentada num meio fio sujo, numa rua suja, ao lado de pessoas limpas(sujas).

Nazistas...

Faz frio em Nurenberg. No Rio de Janeiro tudo é quente, exceto Nurenberg.

No tribunal de Nurenberg, a palavra era: diga que cumpriu ordens.

Na av. presidente vargas, são mais econômicos. Falam apenas com o corpo.

O mundo não fala. Está calado, vencido, perdeu a si próprio em seu próprio Füher mercado. E ainda havia amor. Diante da pobreza. Havia amor, de uma mãe, para um filho. Sim, havia amor, cercado, sufocado no entorno do tribunal de Nurenberg.

O fato é que este falso poeta despejou algumas lágrimas no canto esquerdo do olho e do ônibus...

Era um completo louco. Seu doido varrido! Quem chora por desconhecidos às dez da manhã?!

Pois é!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Lúcia e Roberto: um casal agradável


(Roberto e Lúcia deitados num colchão, três da manhã, apartamento vazio no catete, geladeira com cerveja e alface.)

- Qual é a constituição do amor, da paixão Roberto?

- Não sei Lúcia, mas o tempo ajuda a constituí-los, não, este tempo nosso, mas um tempo bonito, um tempo subjetivado pelas nossas próprias sensações e emoções.

- Você me ama Roberto?

- Lúcia... minha querida Lúcia... se eu te dissesse que sim, seria óbvio demais... e o amor odeia obviedades...

- Você é um puto esquivo Roberto. Você me entendia.

- Lúcia...

- Diga.

- Busca uma cerveja pra mim.

- Vai pra merda Roberto. Que machismo.

- Machismo nada, eu busquei as últimas cinco, é sua vez.

- Estou falando do amor Roberto, tem como ser mais romântico?

- Claro.

- Então, pronto porra!, por que me pediu pra pegar mais cervejas?

- Por que preciso de mais romantismo. Pega mais pra mim por favor, tá atrás da garrafa de água amarela.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Yin x Yang

Sempre acreditar. Olhar para frente. Encher os pulmões de utopia, cavar pequenas soluções. Usar o pessimismo para construir alternativas. Rezar não ao metafísico, mas ao equilíbrio. Juntar forças, reunir idéias, cavar soluções. Plantar e distribuir liberdade. Chorar, perder, recomeçar.

Sorrir. Reagir!

Ser contraditório faz parte, não há vida sem contradição mas é na ação que há o maravilhoso desejo de mudança. E como dizem em 68, "Ser realista, exigir o impossível."

segunda-feira, 31 de março de 2008

Felicidades

No entorno do teu corpo
Jaz um pedaço de mim
...
Enluarado sob o cadafalso
Do meu(nosso) fracasso.

As memórias que não eram dele

Rafael sofria de um mal irreparável. Memórias que não eram dele. Não eram de ninguém na verdade, apesar de alguns indivíduos se apropriarem no entanto de algumas, no desenrolar dos fatos, elas surgiam, e eram sempre de sujeito indeterminado.

A questão, e era sim, esta a grande questão, que Rafael não sabia exatamente onde começavam suas memórias e onde terminavam suas ilusões. Ninguém sabe na verdade, mas no caso específico deste jornalista desocupado, havia um quê de patológico, que transformava sonhos, alentos aleatórios, imaginações em fatos, em verdade, em história.

Não era algo tão fácil, preocupar-se com o inesperado, com o não acontecido. E a fronteira entre o real e o imaginado, era para Rafael, tão tênue quanto a espuma de uma cerveja servida num dia quente. Não saber o que era real e o que era imaginado era um delicioso jogo de armar, mas Rafael sabia, que o real era tudo o que estava dentro de seu escopo, e o que estava em seu escopo, era o que ele sim criava; era um vocacionado niilista de profissão.

Treze cervejas, mas na verdade eram doze, isto não fazia importância, não para ele, este puto cacofônico, que repetia e perseguia paroxítonas como quem come vogais de ócio seguidas de hiatos de felicidade, mas acostumara-se a duvidar de suas memórias: quatro ou cinco páginas lidas? sete ou oito estruturas verbais? Amanda ou Mônica? Catete ou Flamengo? Pós-estruturalismo ou arquitetura neo-romântica?

Depois da chuva torrencial, compreendeu que deveria partir, e foi asim que avisou, acenou, para os que o acompanhavam, que deveria misturar-se a multidão, uma multidão de vozes que calava dentro de si, para depois então prosseguir, atravessando uma avenida de mão dupla, quase-atropelado, onde às quatro da manhã encontraria em sonhos, metade dos seus amigos ou reclamando daquele fato dormindo, ou sonhando com ápices sexuais muito mal reprimidos.

A verdade, e verdade era algo tão manipulável quanto uma massinha de modelar às cinco da manhã, era que as mentiras, ou diria em tom reprovável - respostas acomodadas que tornavam-se parte do real, e ele sempre fizera questão de separar, reprimir, o real do ideal, por que supostamente isto o faria mais concreto dentro do esfarelamento crônico da modernidade.

Vendo toda a questão por um lado Vassilliano, e este lado era a aresta mais individualista que ele pudera conceber, tudo tornava-se apenas um quebra-cabeças mal encaixado, onde o azedume do respeito concentrava-se isoladamente em um feiche mal feito de poesia: TODA PARTE INTRADUZÍVEL É ALGO QUE CLAMA POR UM GRITO. UM GRITO DE VIDA, DE DOR, DE ALGO QUE NÃO SE POSSA TRADUZIR COM CINCO OU SEIS CONTOS.

Não sabia muito bem o que era sonhado, o que era realizado, e odiava boa parte dos atendentes de telemarketing, quando, exatamente desdobrava-se e neste sentid0 esforçava-se para provar esta tese, começavam a utilizar gerúndios afetivos. Pois não existe o "estamos nos amando", existe o nos amamos!

Não é possível estabelecer pontes sinceras entre o ideal e o real conquanto se busque algo que continue a saber que pode não ser real: como daquela vez em que socou um desafeto, quando na verdade, estava dormindo às seis da manhã num ponto de ônibus mal-cheiroso.

A verdade era que estava cansado.

sábado, 29 de março de 2008

Superego(s)

Meus zines (todos devidamente impressos, exceto o número 04, mal impresso)

Superego 01


Superego 02

Superego 03

Superego 04

Supernova

[ Publicado originalmente na puta que pariu, este conto foi a primeira aparição da ruiva. Estou republicando-o no original de 2004 ou antes disto(chutei a data) e é sem dúvida nenhuma um dos meus preferidos. Além disso, além disso é o caralho, a questão, é que, este conto FOI O PROPULSOR DE TUDO O QUE ESTÁ ESCRITO AQUI. FOI ELE QUE ME INCENTIVOU A ESCREVER. NOTE, A IMPORTÂNCIA.]

Esperando telefonemas que não chegariam.

Lembrando de poemas que eu nunca recitaria.Foi então que eu olhei para mim e analisei minha antipatia exterior.

Eu gosto de filosofia marginal eu disse...

E daí?! ela respondeu.

Depois do terceiro copo de vinho eu subi as escadas do salão de sinuca, ela me seguiu. Segurei com uma das mãos o copo descartável com vinho barato e com a outra me apoiei em uma das mesas vazias. Ela olhou em meus olhos e disse que eu era um verdadeiro porra-louca. Olhei para o chão nesse momento, tomei coragem, a fitei durante alguns segundos e engoli o restante da bebida sem ao menos respirar.

Deixei o copo vazio cair sobre o carpete verde, da mesa de sinuca e soltei uma frase escrota do Nietschze: o que não nos mata nos torna mais fortes, afirmei. Ela riu. Um sorriso irônico, forçado, uma atriz, era o que ela era. Colocou uma das mãos sobre o rosto, apertou em sinal de tédio ou cansaço e apontou para um conjunto de bolas que estavam jogadas aleatóriamente pela mesa: Você sabe o que é isso? É um jogo. A vida é uma porra de um jogo. Mesmo você com toda a sua ideologia pretensamente esclarecida, deve admitir que não pode vencer todas. Que você pode se dar bem e se ferrar a qualquer momento. Mas mesmo que perca ou ganhe você deve dar a sua melhor tacada. Só que você com todo esse sentimentozinho escroto de individualidade retorcida só consegue soltar esses espasmozinhos filosóficos baratos para tentar me conquistar.

Eu mantive-me firme. As lágrimas atreveram-se a brotar no canto dos meus olhos, mas consegui segurá-las com uma olhadela rápida à única janela de alumínio do lugar. Vi pessoas se divertindo, vi homenszinhos vestidos de preto, mulheres fantasiadas para matar, para morrer, enfim, toda aquela baboseira de rebeldia sem confronto, sem dor, sem "causa". Mas eu tenho um motivo; enraiveci-me.

Seus motivos não são seus objetivos, eles são apenas motivos. Paradigmas. Você é um desgraçado de um paradigma. você odeia os paradigmas. Mas você é um deles cara. Você é um deles e não afirma isso sem meia dúzia de palavrões "teorizados" ela disse.

Dobrei os punhos, me apoiei sobre a mesa, peguei a garrafa com violência e comecei a beber.

(ela continuou) Você continua preso aos seus estereótipos, a sua filosofiazinha idiota, a sua vontade inepta de continuar buscando, buscando e buscando a perfeição em forma de versos, textos e desafios emocionais!

Eu somente bebia. Virei a garrafa com vigor.

Você ainda é um filho da puta especial porque continua a assumir esses rótulos escrotos sacou?

Você continua a afastar as pessoas porque não conseguiu se aproximar delas de forma mais sincera!

Você busca padrões em tudo o que procura! Você não quer ou nunca quis originalidade, você quer seguidores, encostos, muletas emocionais para sua personalidade fértil! Um estampido.

Arremessei a garrafa em uma das paredes. Olhei para aqueles olhos azuis (os meus já em lágrimas) soluçando e gritei: Você não pode me entender!! Você nunca pôde e nunca vai poder! Porque você nunca me conheceu o suficiente para ter noção da dor que eu sinto. Da vergonha que eu tenho em nunca parecer sincero, em nunca agradar o suficiente ou mostrar para o mundo o que eu sinto. Eu...eu... tentei tocar músicas, fazer músicas, para ser compreendido, eu..eu... escrevi textos, mas eu
falhei, merda, eu falhei. Ela afastou-se. Deu dois passos para trás. Ajeitou aqueles lindos cabelos vermelhos, deus, só eu sei o quanto eram lindos, para trás das orelhas e começou a chorar também: Eu estou disposta a te ajudar. Eu estou disposta a compartilhar dessa alegria de viver e dessa dor contigo, mas eu não posso ficar a mercê da sua instabilidade, do seu temperamento inconstante entendeu?

Fiquei mudo, ajoelhei e chorei mais ainda.Eu posso ficar do seu lado ela falou. Mas eu não quero...
Eu não quero ver você assim. Você vai ter que reagir. Eu nunca vou lhe cobrar um amor eterno porque sei que você me amará do jeito que eu sou. Mas eu não posso ver você assim! Ela ajoelhou-se em prantos.

Foi então que nos beijamos ao som de um bonito solo de sax de um velho e decadente músico que tocava solitáriamente na esquina mais próxima. Eu estava feliz por tudo o que ela tinha me dito. Foi aí que tudo começou: eu acordei. Sozinho... Mas acordei feliz.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Origami Emocional

Dobrei-me...
Como um origami emocional
Criei camadas de vida
Voei, espalhado pelo vento
Como um barco sem horizonte
Despedacei-me no mar
E vi que a felicidade
Estava na minha mão

A alegria era uma folha de papel
Eu a dobrei como um envelope
E coloquei recortes de revista
E dúvidas de jantar em seu interior

Comi desatinos e engoli timoneiros
Sem pensar, sem sonhar
Que a água que eu outrora bebi
Iria dessa vez, me afogar

Liguei o rádio
Mas não havia estação
Olhei para o sol
E ainda era verão

Gritei ao som do enfado
E não entendia...

Por que naquela maldita quinta feira
O meu olfato sentia cheiro de morte

Dancei, dancei, dancei ao som da música
Sem saber, que não se baila
Com um caixão em uma das mãos

Olhei para o horizonte
A vida era algo normal
E o meu normal, não dizia nada
Para seis bilhões de pessoas

Bebi cervejas no escuro
E achei que iria me curar
De algo que nunca tive

Costurei falsos caminhos
E só percebi
Que no palco do teatro
O ator sim, o ator era vossa senhoria
Vossa senhoria! O eu!

terça-feira, 25 de março de 2008

Não há mais mangas no quintal

"O homem é a natureza tomando consciência de si própria. " (Elisée Reclús)

Meu quarto fica no final da casa. É um quarto quente e um pouco abafado, estreito, com raios solares que não o esquecem durante todo o dia. Atrás do meu quarto, há um gramado simpático.
E neste gramado, há uma mangueira. É uma mangueira deveras libertária, ela nunca respeitou a ficção da propriedade privada; parte de sua frondosa copa avançara impiedosamente sobre o terreno da casa onde moro, alguns galhos atrevidos na verdade, galhos que quase tocam o chão, onde podíamos tocar as mangas com os dedos das mãos preenchiam parte da parede que segue cartesianamente até o final da casa. A casa termina, a mangueira não.

Seu caule está prostado no terreno do vizinho, ele faz o que quiser com a mangueira; se quisesse matá-la poderia ter feito, mas por bondade ou preguiça, ela ainda vive, e eu sou de certa forma grato por isto.

Haviam mangas espalhadas no quintal, muitas. Mas para dizer a verdade, eu nunca experimentei nenhuma delas.

Sempre que um vento do norte atingia o terreno, as mangas despencavam. Mangas suicidas. Eram tantas, que enchíamos baldes, galões de manga e só eu sei o que eu sofri para catar todas as últimas que caíram.

No início não incomodava muito. Eram só frutas. Mas aí começaram a cair os galhos e as folhas. E caíam exponencialmente.

Incomodado fiquei realmente, quando encontrei suco de manga na geladeira. Mas não era da mangueira. Não daquela, talvez de uma prima distante. O suco estava numa embalagem industrial; aquilo era uma contradição explícita, a mangueira tinha razão, eu não tinha a mínima consciência ambiental.

Minha mãe também não. E mandou podar a mangueira.

No início achei razoável. Cortar umas arestas sobrando daria vida nova à mangueira, quisera eu poder fazer o mesmo. Mas no dia da poda eu me entristeci, pois percebi que estavam cortando além da conta. E a conta era do tamanho do horizonte da minha janela.

Deitado na cama, eu conseguia enxergar a mangueira e uma outra árvore, cujos limitados conhecimentos arbóreos não conseguem nomear, mas posso dizer que é uma árvore mais disciplinada, cresce e conforma-se perpendicularmente ao solo, seus galhos são curtos, seu caule é longo e ela não atrapalha a disposição matemática daquele jardim, construído, diga-se de passagem.

A mangueira tapava todo o horizonte, e ninguém consegue construir horizontes com facilidade, contudo após a poda o horizonte que ela tentara esconder, revelou-se de imediato, tomada por um golpe de mágica. A tristeza da poda, e como foi triste ver seus galhos serem levados abruptamente, deu lugar a uma observação detalhada, um compasso delicado sobre a natureza; uma verdadeira e detalhada observação do fluxo natural das coisas.

Não existia grama embaixo dos galhos da mangueira pois o sol não chegava ali.

Não existia horizonte nos meus olhos antes da poda; eu só enxergava os galhos e o verde da mangueira, este era meu horizonte, enquadrado por uma janela e perseguido por uma mangueira. Mais do novo horizonte, surgiu a vida, lentamente construíndo-se em torno de metáforas e de natureza.

Mas antes de continuar a falar sobre a mangueira, eu preciso falar daquela árvore que eu desconheço o nome e está plantada mais próximo a minha janela. Em um dia de insônia o vento a balançava suavamente. A árvore não lutava contra o vento, assim como o leito do rio não luta contra as pedras que o cortam. Outro dia, percebi a árvore parada. Não ventava e ela não se mexia.

ELA NÃO NEGAVA SUA PRÓPRIA NATUREZA.

Voltando a mangueira, a grama comecou a crescer, o horizonte se ampliou. Não lamento muito mais por ela. Por que agora posso enxergar o céu como jamais pude da janela do meu quarto. E quando o céu está chuvoso, e eu adoro os dias chuvosos, levanto-me da cadeira, paro de escrever, debruço-me por sobre a janela e olho para aquele horizonte cinza, e cinza não é uma palavra adequada e nenhuma é, para traduzir o que é este horizonte nesses dias.

E eu não consigo escrever quando isto ocorre.

Por que seria mesquinho demais falar de mim, somente de mim, quando me sinto completo e perdido na imensidão do todo.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Condição de Classe

Olhava para o ponto de ônibus com irritação. As pessoas se espremiam como peças certas de um quebra-cabeças mal feito, e quando o ônibus aproximava-se, havia um mover contínuo e frenético; quase uma explicação prática sobre a teoria do caos, algo como a aleatoriedade das partículas e das gotas de chuva que caíam sob os pará-brisas; Luciano comparava aquele ritual, a um embaralhar de cartas. Todas de um mesmo baralho.

A ansiedade percorria suas veias, sempre que o coletivo se aproximava, parecia no entanto que o tempo esticava, aumentando exponencialmente este seu sentimento agudo, a ponto do desejo intenso de ir embora, sair dali, fugir daquela fumaça, do ponto cheio, da urbe calorenta e do pouco espaço vital que tinha naquele momento, alimentar uma misantropia que em outros momentos de lucidez lhe seria extremamente condenável.

O sol escaldante agredia sua fronte, a fumaça negra dos coletivos, uma afronta aberta à gaia, a si próprio e aos que estavam ali, deixava claro a condição de classe a que fora submetido. Não era tão óbvio como parecia ser, Luciano, podia para alguns ser um mero produto da indigna ascensão social pequeno-burguesa, de classe C3 a C2(lera numa revista respeitada num consultório dentário, as novas e recentes classificações de classe, doze, segundo a renomada revista), fato irrisível que não assumia para si.

O terceiro coletivo, amarelo, cortando seus pensamentos e uma kombi que realizava transporte ilegal(ou seja, aquilo que o estado não ganha dinheiro - pensou) despertou uma satisfação momentânea: "quero fugir deste lugar".

Esbarrou em uma ou duas pessoas, mas não havia tempo para educação ou idealismos, a realidade e o ônibus amarelo - naquele momento um verdadeiro Hegel da filosofia, lhe impunham uma outra dinâmica. A subida no coletivo começou a lhe impigir outros desafios existenciais, dilemas filosóficos; deixar a srta. de vestido verde ultrapassar sua frente seria um ato de educação ou de comiserabilidade? Lembrou mais do "torna-te o que tu és" da aula de filosofia ocidental, e resolveu não promover nenhum sentimento de desigualdade, deixando a morena de olhos claros a ver coletivos(na verdade seu atual estado civil era o desinteresse - e isto teria de ficar claro após duas ou três olhadelas).

Rodou a catraca do ônibus, sentia-se meio homem, meio gado, posicionou-se no banco mais alto, mas no fundo estava na mesma posição, uma posição de classe.

O monstro de metal avançou, o cobrador visívelmente entediado, batia insistentemente a moeda em um dos ferros de alumínio da condução, sua expressão transpirava desistência acumulada e o tintilar emudeceu diante do motor agressivo do ônibus. O vazio do coletivo, começava a dar lugar a uma sequência de expressões corporais, gestos e fisionomias, que ocupavam espaços, clamavam o mínimo de dignidade conquanto não demonstrassem tão abertamente.

A quimera avançava, a paisagem retorcida, inundada de cimento e concreto, sufocava os pensamentos, alimentava a desilusão e disseminava um sentimento de desconfiança, um afastamento progressivo, que vez ou outra era vencido por uma atitude mais cordial, como o de pegar moedas caídas.

A velocidade aumentava, a paisagem também, a cada ponto, a cada parada, o moinho de metal engolia mais incautos: um bom almoço a serviço do capital. Cinco ou seis passageiros se acotovelavam num espaço que cabiam dois ou três, o barulho da catraca, da roleta ritmava a respiração do monstro motorizado moderno,(o trajeto ainda não tinha se fragmentado em "múltiplas" identidades a ponto de tornar-se tão pós-moderno) enquanto Luciano perdia-se em seus próprios e ocultos pensamentos, sua indignação por estar ali, espremido como todos os demais era tão nítida, quanto aquele trânsito incongruente.

Estava abafado.

Observou um caminhão de carga, preenchido por batatas, - No fundo, dentro desta lógica, é o que somos para eles(referia-se aos donos do poder, aos donos do capital): Meras batatas. Mercadorias.

Transitando frenéticamente em torno de um circuito construído, trabalho x bairro dormitório, bairro dormitório x trabalho, Luciano entristecia-se com o holocausto(como pseudo-poeta tinha a licença para promover apropriações) social que se avolumava, não conseguia manter a calma dos cínicos diante a miséria; a cada pedido de esmola, a cada notícia de jornal, a cada degradação calculada, Luciano enchia-se de indignação... Encher os pulmões de utopia era o que lhe restava, não aceitava ser conformado nas linhas de produção do capital. Jamais! Guerra ou morte!

Alinhar-se com o inimigo nunca! Iria até o último suspiro de força se for preciso!

É preciso saber a condição de classe! - gritou para todo o ônibus.

Como um imã, os olhares foram lançados até o fundo do ônibus, a viagem emudeceu. O arranque do motor descongelou a situação.

Por fim o trânsito de batatas, de pessoas prosseguiu em seu interminável objetivo, a fornalha do capital estava sedenta, era preciso alimentá-la com mais um coletivo repleto de desejos, mas se dependesse de Luciano e da rebeldia coletiva, que mesmo sufocada por entre os dentes, estava lá, no fundo dos olhos de cada passageiro, teria uma bela indigestão.

domingo, 16 de março de 2008

Chovia quando ficava triste

Choveu. E então o céu lacrimejou suavemente, como se aguardasse um afago.

O afeto de Vasilli estava espalhado por sobre a mesa, davam o nome de Vodka, e estava distribuída por uma dose de limão, acúcar e gelo. Jazia também, uma caneta por cima da mesa, próximo ao cinzeiro, repleto de guimbas do passado, dor nostálgicamente posicionada por cima do seu horizonte de dúvida.

Não havia muito a fazer, a não ser observar os pingos da chuva rabiscarem o céu, a varanda, e seu coração, aguardando que em determinado e específico momento não combinado entre os dois(ele e o céu) algum dos dois teria de parar de lacrimejar.

O céu era forte, amplo, mais Vasilli muito mais infinito, rabiscou o papel a procura de inspiração, ou melhor calma, para expressar o que ele sabia bem que somente o fundo de seus olhos poderia dizer; olhando para os lados, mexendo os dedos por entre o cabelo desgrenhado, abaixando-os a altura dos pés, movia seu pensamento de um lado a outro sem encontrar respostas, mesmo com aquela música de jazz que ouvira semana passada e não conseguia esquecer.

"Procurar não traz a paz. A paz só vem quando a gente esquece. " Filosofou em tom de cinismo, cinismo consigo mesmo, por que naquela casa mal conseguia se carregar, quanto mais conviver com os demais.

A vodka aqueceu a garganta, mas não os paralelepípedos molhados da rua, pouco limão, pouco limão... Levantou, deixou o copo em cima da mesa, debruçou-se na varanda, mover o corpo não era uma estratégia, era uma instinto básico de sobrevivência, o olhar girou seu corpo e olhar em direção ao final da rua, vez ou outra, captava algo. Sensação estranha aquela.

Está no ar. Veja bem. A angústia está no ar... e eu aqui, a captando. O céu está triste, encerrou, como estivesse provando a si mesmo que o motivo daquela tristeza era apenas a de efeitos colaterais que o levavam a desenvolver algo brilhante... uma vida brilhante.... uma idéia brilhante... uma filosofia de botequim brilhante... ou até mesmo uma frase, ou uma poesia brilhante...

Este ledo engano, era teleológico por demais, e ele acabava perdendo partes das esperanças que simularara para si e retornava ao ponto original como num dificultoso jogo de armar castelos de cartas ou de areia... Desistia de enxergar a tristeza com tanto otimismo, na segunda ou na terceira dose de saudade ou de medo.

Voltou a mesa, mexeu no cigarro, como aguardando um reflexo, algo que se movesse, que o tirasse da habitual tristeza. Mas não... ele bem sabia... por quanto sempre estalava nessas horas uma parte de si deixada à própria sorte, que decidia por fim reagir, mesmo que devidamente reduzida de suas forças na tentativa de o animar....

Havia um quê de secreto, naquele pacto silencioso entre Vasilli e o sagrado(considerava aquele ritual sagrado, um sagrado não sacralizado, um sagrado não-divino, um sagrado que agradava por fim, os ateus), entre suas lágrimas e a chuva, entre seu destino e seus passos...

Fingia otimismo quando lhe interessava e o contrário era mais habitual, era verdade, vez ou outra não fingia nada, era sincero, depreendia daí o problema e a incapacidade objetiva de o ajudarem.

Poucos poderiam, já não acreditava em nenhuma ajuda que não cobrasse noventa reais a consulta, afinal desconfiava de boa parte do altruísmo que aguardava cinco minutos a sua vez de falar, que não descortinava a tristeza alheia, que não remoía no fundo o que verdadeiramente se escondia naquelas frases, sim, pois é ali, é mais na parte sul do abismo interior, revelado por cinco ou seis olhares, por dois ou três atos falhos, que Vasilli se escondia, e como todo mal cristão, a introversão fazia parte do pacote.

Não se escondia tão fundo assim, bastava coragem, sensibilidade ou intuição(ou um misto das três), para descobrirem em que parte do penhasco se encontrava, mas tal tarefa, não cabia à desajeitados/as ou a covardes. Ninguém olha espelhos para negar o que sabe, mas sim o inverso.

Começava assim a treinar, a adaptar-se ao kung fu emocional, fundar seu jogo de xadrez fora do instinto, dentro do real e começou a temer, na segunda ou na terceira golada daquele resto de limão com tristeza, a profundidade do abismo em que se jogara.

A grande questão era saber se seria resgatado; ou se queria mesmo.

terça-feira, 11 de março de 2008

Nem tão mal assim, nem tão bem o suficiente

Ruiva, sabe exatamente como o corpo reage a angústia? Já sentiu os olhos úmidos de lágrimas, e a garganta engolir aquela decepção embalada antes do café-da-manhã ruiva?

Meus passos longos precipitaram uma imensidão de cores, cores que eu não consegui filtrar(e quem disse que eu deveria?); ela apenas racionalizou o mundo a nossa volta Ruiva, ela matou o dionisíaco que nos temperava, ela pragmatizou a realidade ao nosso redor.

Faltou-lhe coragem? Coragem esta que me sobrava... Mas eu Ruiva, este tonto Vasilli, enebriado pelo desejo de re-construção dos cotidianos, não conseguiu compreender que isto apenas dizia respeito ao poder de decisão dela Ruiva, e não do meu, de convencimento(e eu repito isso para me convencer... para me convencer racionalmente, mas emocionalmente nunca me convenci).

E cá estou eu, cercado de guimbas de cigarro, fuçando livros no centro da cidade na terceira quarta-feira do mês, comendo uma esfiha com gosto de saudade Ruiva, e secando lágrimas que eu nunca despejei na verdade, metaforizando tudo ao meu redor, tudo, por que assim, o mundinho cinza dessa urbe impiedosa ganha mais vida.

Já não estou nas suas fotos, sei disto Ruiva, ela me apagou de todas as suas fotos e suas recordações, as minhas frases de efeito e meus ditados clichês, ecoam por cinco ou seis amores esquecidos, por que idéias não morrem Ruiva, idéias são a prova de balas, e no fundo no fundo é assim que me sinto, uma grande idéia presa num corpo humano, demasiadamente humano; e talvez seja esta minha função no mundo Ruiva, fazer parte de momentos longos(para muitos, e curtos para mim) onde eu tenha me transmutado não em corpo, mas em espírito.

Exercitei a imaginação alheia demasiadamente, e em troca, (dentro desse olhar egoísta inconsciente) apenas recebi letras ruiva, letras que eu já tinha de sobra.

Anatole, fora de sua habitual inabilidade para com piadas, conseguiu fugir do padrão esses dias, e disse algo que realmente me interessou(a posteriori - é claro, eu não daria este gostinho ao puto):

"Precisamos de uma novo tipo de tuberculose que só consiga matar os poetas."

Nato está certo, não há mais glamour(se é que houve algum dia), mistério ou mágica em trocar emoções por letras, isto já foi intensamente exercitado e minha verdadeira profissão de fé é me iluminar diante o esquecimento. Nossa miséria é tão escassa ruiva, que me envergonho de despejar esta parte de mim, não é justo dar aos outros uma metade de você que eles acham ser a inteira, a impressão normalmente é que se costuma vender algo, por um preço muito mais alto do que podem pagar.

Ruiva, quando olhei para tuas fotos, me lembrei o quão inadaptado eu me sentia ao lado de determinados grupos, e eram poucos, muito poucos, os que eu não tinha de me esforçar para vestir aquelas personas descartáveis irritantes, mas isto é um fato tão coerente e corrente que no final das contas, me achava mais e tão verdadeiro quanto possível.

O daqui pra frente é uma estrada deliciosa Ruiva, este paradoxo ambulante de nome Vasilli, no fim das contas concorda que a tristeza é o verso da alegria, não sabe bem como autogerir isto a ponto de equilibrar-se sem muletas, mas está no caminho... Irrito-me com a necessidade mórbida de imporem a ditadura da felicidade, isto é triste demais ruiva... gente sem verso é apenas um simulacro de ser humano...

Isto é tudo Ruiva, mandarei outras cartas depois, pois já não tenho mais para quem enviá-las, me sinto meio Anatole agora Ruiva, distribuindo metades de si para muitos(quando sabemos que ele é inteiro, não metade) aguardando compaixão, mas não há compaixão suficiente, nunca há, e depender desta caridade emocional definitivamente não diz respeito aos espíritos livres(e quem disse que eu quero ser? deixe o ubermensch para as próximas gerações...).

Agora me vou, esgueirar por entre o cotidiano, apesar de continuar a me sentir sozinho, ainda posso olhar ao lado e ver muita gente ao meu redor.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Disputas Interiores: Durden ou Poulain?


Olhando para tudo o que aconteceu, tinha quase certeza de que o caminho, sim, pois era seu sem dúvida, era um caminho pra lá de interessante. A maneira com que recriava a vida ao seu redor, era em suma, parte de um processo global, isto é verdade, e acreditava e confiava nas redes que o envolviam, e tudo, tudo, dizia lembrando daquela terça-feira mágica, era parte daquela trilha, daquela estrada, deste caminho, ríspido, suave, intenso, jocoso, brilhante.

Poderia encher o copo da vida uma ou duas vezes, antes de experimentar a dor, e o que era a alegria sem a dor, o que era a paixão sem o ódio, o que era o dualismo sem o relativismo, o que era ele próprio sem si mesmo!!! Confiar no sagrado era o início de um processo curto de esperança. Era um feixe de respiração otimista.

Fazendo um balanço sincero e motivado de seus/meus próprios costumes lembrava demasiadamente das músicas tristes, das cartas sinceras, das lágrimas despejadas sob o copo de cerveja preta, que ele, sim, ele tanto adorava. Era um romântico incurável, e românticos incuráveis, necessitam de mais tempo, nenhum tempo é tão escasso, quanto o tempo dos românticos incuráveis. Ele sabia, e demonstrava a cada gesto, que era uma junção de simplicidade explorada demasiadamente pelo destino a ponto de exaurir seu próprio otimismo; e no entanto conseguia a cada respiração, ser visitado pela morte sete vezes, assim como os budistas; e que deus os tenha.

Mas lhe faltava maldade. Não se referia ao mal convencional dos filmes hollywoodianos ou das igrejas de final de semana; faltava-lhe, e podia perceber a cada evento, uma percepção mais nítida, e a este ponto preferia a palavra parceria como o oposto do que ele era e negava.

Era claro e necessário, que ele deveria fortalecer aquele lado escuro, que tanto deixara-se ofuscar por sua parte mais criativa e dera a uma ampla gama de jogadoras, a oportunidade de deliciarem-se com modelos paranóides produzidos sob situações de tensão; ou diria melhor, bonequinhos perfeitos, imagens projetadas no espírito do tempo a partir de espasmos pré-românticos, mas veja bem, e preste atenção neste período, neste momento, tão particular e talvez inovador... espasmos pré-românticos são como comportamentos clichês às sete da manhã.

"Passe-me a manteiga por favor! (me passa a porra da manteiga!!!)."

O espírito do tempo não estava com ele desta vez(nunca esteve). Adaptaria-se?

Adorava utilizar opostos para explicitar a si próprio; água x fogo, yin x yang, sombra x luz e como a modernidade lhe impunha novas e sensacionalistas abordagens, Anatole resolvera escolher a dicotomia durden x poulain, que era um produto de filmes baratos que resolvera rever para explicar a si mesmo e aos leitores(dois ou três - num dia de sorte) o que era dicotômico em sua, em nossa, personalidade. (se você chegou até aqui parabéns! força! continue!)

Oposições que se completavam, mas que neste momento digladiavam-se em torno de uma resposta. Ele vai ter de escolher - diziam nos corredores do inconsciente.

Conseguiria trazer sua sombra?, sim ela dizia faminta - você consegue meu jovem, enquanto jovem; conseguirá empurrar mais para o fundo esta velha, sim, pois anime-se os anos 90 já acabaram junto com suas camisas de flanela, esta velha-idosa Poulain, espírito ultrapassado e prestes a reanimar o velho Durden, este arquétipo raivoso, esta parte de si que calava todas as vezes em que se confrontava com a doçura de uma parte de si que predominara durante todo o jogo; deixe ele tomar as rédeas da situação, deixe o velho durden dominar.

É claro que isso tinha um custo. Ele sabia, e dialogava muito oportunamente com os dois, com meio cigarro na boca, e um copo de cerveja preta, olhando para o horizonte(e seu horizonte era bem limitado por cinco ou seis prédios - isto dependia da quantidade de vodka) que tal tarefa não era tão fácil como poderia aparentar.

Sabia exatamente, que um estava em posição mais vantajosa do que os demais; Vasilli não admitia a princípio, mas as queimaduras de cigarro de quatro ou cinco anos arriscavam palpites de quem ganharia naquele momento o jogo, e isto era suficientemente claro para demonstrar que era hora de cultivar um caos dentro de si, não uma estrela brilhante, mas uma super-nova que talvez conseguiria gerir algo novo... de uma vez por todas.

Matar Poulain, enterrar Durden, talvez seja o caminho.... Ele não sabia exatamente...

Talvez devesse seguir o fluxo, parece fácil quando não se escreve por compulsão. Nada constava como editável, aproveitável; o lixo literário estava aí. O excesso de cerveja preta denunciava que seria mais durden do que poulain e não, ele não aceitava conselhos, por que esta mudança era temporária como toda mudança (normalmente) é. Decerto a maioria inspirava-se e acostumara-se a conviver mais com Vassili em sua fase "Poulain", fazia sentido, já que o espírito do tempo abortava milhares, milhões de Amélies Poulains sistemáticamente...

E a gente costuma projetar no outro o que a gente quer ser. E assim fica fácil pedir para Vasilli ser mais Poulain. Quando o que ele quer. É ser mais sombra, é ser mais durden.

[sorriso da ruiva no canto da sala - cigarro na boca, fumaça no ar, ele dormindo, ela acordada, vestindo preto, sofá sujo, gato preto na casa, lixo no quarto.]

Abandone a meditação, siga o caminho




Reconstruindo meus silêncios. Caminhando... como um gaijin deslocado do tempo, não do espaço.

Olhando meus abismos. Talvez não sejam tão fundos. Verei ao caminhar...

Meditando; há uma rocha, estou no alto, estou perto do abismo, da ribanceira, mas não a temo.

É mentira. Eu abro os olhos. O vazio está mais próximo. Eu levanto, abandono a meditação. Talvez caminhe mais um pouco.

Talvez caminhar naquele plateau seja mais seguro. Talvez. Eu pego minha mochila. Pego em meu bolso uma velha foto. A foto ainda não está desfocada. Nítida demais.

Eu pego minha mochila, eu me lembro de tudo. De tudo. Ainda.

Vou meditar naquele plateau. Será mais seguro, daqui para frente, será muito mais seguro.