quarta-feira, 14 de maio de 2008

O Solipsismo de Carlos

O cabelo cresceu junto com a introspecção. A barba fazia regularmente; demonstrava um senso de erudição vago e não permitia que conversas ocasionais descambassem para intimidades ou especulações sobre procurar ou não um terapeuta.

Lia Kundera e criticava os romancistas alemães, mas no fundo gostava, pegava panfletos na rua, colecionava atividades enfileiradas, escutava velhos conselhos e escrevia pouco, pouco.

O mecanismo impedia-lhe de conservar coisas simples, lavar um tênis, frequentar um médico, arrumar um armário, pintar um quadro por mês...

Quando deparavam-se com a originalidade diziam bem alto: Já foi dito!

Já escreveram! Pintaram! Velho demais!

Novo demais! Volte outra vez!

E quando não se contentavam, havia a resposta padrão: plágio de si mesmo, plágio de si mesmo, não posso contribuir com a decadência estética da arte. Volte outra vez! Tente novamente!

A luz apagava, mas seu senso de auto-preservação não, apesar da música e das regras que costumava impor: aos leitores vagos frases curtas, aos concentrados picava metáforas salpicadas estratégicamente, e ainda assim, ainda assim, desolado escritor sem fama: Carlos era um perdedor.

Diziam, chamavam este fenômeno, o de perdedores em massa, de pós-modernidade. Na verdade eram os mercados estreitos. O que os economistas, após fecharem as braguilhas sob a égide intestinal do aparelho digestivo num sábado à tarde pós-churrasco, chamavam, digo, pensavam de mudanças estruturais da economia.

Menos gente no topo, mais gente na base. E então, difundiam que aqueles, os da base, eram os perdedores. Gente sem talento.

Alguns inventavam teorias mais originais: As coisas poderiam realmente estar se repetindo. Monotonia cultural. Inércia intelectual.

E os mecanismos continuavam lá, impedindo por exemplo, a subjetividade de um conto. Quando for tão subjetivo terá 50 anos e uma conta bancária gorda. Gorda como a do Sarney. E ele entrou na ABL. Teve escrutínios.

Um solipsismo de massa nunca é bom pois Carlos gostava de causar uma certa confusão na leitura.

Uma filha poderia ser um verbo, um verbo um adjetivo, um adjetivo uma ação. Bastava-se de princípios e instintos formulados ao acaso.

Solipsismo demais o impedia de alcançar o topo. E Carlos indiginava-se com a distribuição de poderes. Ainda mal distribuído. Preferia o absolutismo, ou tudo ou nada, bradava!

E nem democracia total vivia, ainda era algo meio termo. Uma mescla de algo que se convencionou apelidar de crise dos sujeitos, crise das identidades.

Não queria prosseguir no conto, o solipsismo o invadia. O leitor poderia acabar, escrever o que quisesse. Ou apreciar até onde lhe aprouvesse. Não se importava.

A qualidade do conto é imanente ao sujeito.

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