quinta-feira, 29 de maio de 2008

Homem expectativa vai as compras outra vez

Sou um suicida sem coragem
Um junkie sem culhões
Um revolucionário que não pega em armas

Meu nome é fracasso

Sou um amante sem amada
Um jovem meio velho
Um velho meio jovem
Sou contradição...

No ponto de ônibus
Na sua festa medíocre
No encontro dos chatos

Sou uma sina
Verbo sem palavra
Conto sem final
Poesia sem poeta
Ponto e vírgula sem leitor, sem ator

Sou o acaso, esguio
Passado sem futuro
Lógica sem prosseguimento, copo sem cerveja

Sou um soluço, um soluço de letras...
Sem explicação

E hoje ele falou tudo

E foi aí Ruiva, que eu virei a esquina com uma das mãos e o pensamento nus, com uma lata de cerveja no final e encontrei cinco ou seis meninos pseudo-suicidas, brincando de antagonismo.

Era um antagonismo estético, pelo menos aparentemente.

Um bebia vodka, sentado num banco de madeira, cabelos espetados, roupa preta, muitos piercings pelo corpo; conversavam em grupo, ligeiramente agitado, ligeiramentes circunspecto, ainda que o significado da palavra não dê conta do que estava realmente acontecendo por ali, e nunca dá.

Não me dei conta que havia uma discussão em torno da decadência. Sim, não é preciso ser genial para perceber até onde vai a decadência deste mundinho, falsamente moderno.

Não sei exatamente até onde vão as cores do meu mundo ruiva, não sei até quando conseguirei manter este diálogo inexistente, na verdade unilateral com você; as luzes, a ribalta, a terapia, tudo estilhaçado procurando sentido, num mundo vazio, vazio, perdido, ainda assim agradável de se observar, de se cheirar, de catar afeto; não, catar afeto nunca é legal ruiva.

E eu cheguei num ponto, quer dizer, posso ver de longe, e talvez até tentar retornar, mas sei que isto não vai ser possível, desde aquele dia maldito que você mostrou sua existência, com dois cigarros acesos, num ponto limite ruiva. Caso eu ultrapasse, talvez nunca mais consiga realizar determinadas coisas, como isto aqui.

Talvez. Eu me sinto culpado, me sinto culpado quando rifo meus princípios em troca de iluminação, mas eu já cansei deste ascetismo bobo, e realmente prefiro ter tendinite a dor nos calcanhares; sim, é uma contradição.

Digo que um escritor medíocre é aquele que não conseguiu matar seu censor interno, e sim, nunca conseguimos, até o momento em que perdemos não tudo, por que nunca se perde tudo, mas quando perdemos aquele instinto básico de sobrevivência que impede o clique da 45, o despencar do abismo ou simplesmente a resignação cínica. O conhecimento ruiva é um veneno. Depende da dose é claro. Excessivamente degenera nosso presente, nosso passado e nosso futuro. Não há mais salvação dentro desse tipo de estrutura, de compartimento hermético que assassinou, sodomizou a melhor parte da nossa espontâneidade, que tende a se retorcer em espasmos e talvez consiga recuperar-se com oito ou nove anos de terapia.

Não quero mais ir lá ruiva, ele quer lhe assassinar, ele quer me refazer tomar o controle; mas como diria Cecília Meirelles nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

Estou com medo, medo como nunca tive(você já deve ter percebido este meu tom dramático-excessivo).

Vamos aos fatos: cansei dos ascéticos, dos que esperam a mudança no futuro. Cansei dos libertinos, que esperam a mudança no presente. Cansei dos cínicos que não esperam nada. Cansei dos hipócritas, que fingem não poder desejarem mudanças. Cansei de mim mesmo, ascético, libertino, hipócrita e cínico. Cansei de poder perceber isso. Cansei de cansar. Cansei de escrever isto aqui.

Talvez não esteja tão cansado, mas estou.


quarta-feira, 28 de maio de 2008

Corre Durden Corre Ruiva

Instruções para ler este conto: (isto é sério)

- encha o pulmão, prenda a respiração... e leia!

As coisas estão indo depressa demais ruiva, depressa demais, como aquele ônibus, aquele que quase atropela passageiros no ponto, como a bola espirrada que acerta o tio da praça, como a correria do pivete, o esbarrão derruba-café, derruba-humor, as luzes da cidade, as hemáceas urbanas coloridas, neon, barulho, neon, depressa, depressa demais ruiva, acelerado, acelerado. Eu escuto corra! Corra, corra, corra até perder seus pulmões, e eu forço minhas pernas até a exaustão, o tênis contra o asfalto, asfalto contra tênis, batalha silenciosa em meio a sujeira do canto do pa-ra-le-le-pí-pe-do dito diante da língua, diante de um copo de cerveja na cara de um travesti na esquina da joaquim silva com a tonelereiros não-sei-mais-o-quê! Já não sei mais quem empurra quem, ou se é a terra que está de cabeça para baixo; um dois, três postes, carros em frente ao teatro cecília meirelles, entro correndo com fôlego, passo embaixo dos arcos da lapa, há olhares, olhares famintos; grito com minhas pernas na altura do arco-íris, esbarro em um gringo, não dois gringos, não três gringos, digo era o garçom, não importa, hidrante, não importa, quantidade-velocidade-serenidade-atividade do intenso, idiota, do denso, idiota, idiota lerda, do tenso, eu tropeço num paralelepípedo, dobro a direita sem jeito, sigo rumo a praça tiradentes, delegacia-carrocinha-franco-maçonaria não necessáriamente nesta mesma ordem, corro, o cadarço está frouxo, o fôlego sôfrego, a calça imunda, as pessoas me inundam de olhares, expressões, e minhas ações prosseguem, pé direito, pé esquerdo, braçadas longas, cabelo grande solto, voando, casaco verde apertado, suando, chego na praça tiradentes cortando o batalhão já sem força... passadas diminuem, a dor no solado do pé, o seu ônibus partindo ruiva, partindo... partindo meu coração... aquele 355 vendido... sempre lento e agora tão esguio... esguio como nossa relação... e você não está mais aqui, mas está lá, no banco de trás, apenas um olhar. Olhar fugitivo, coberto pelo movimento que mostra seu cabelo vermelho e nega seu olhar... e eu com as mãos no joelho, esbaforido... meio perdido... caio de esquerda na calçada, me apóio, me nego e aí percebo que você já se foi, que você já se foi.

E eu tentei correr, não fugir.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Lembrei de você ao ler isto

O animus negativo e os relacionamentos

Assim como a anima, o animus (parte masculina no insconsciente de uma mulher) pode ser o causador de muitos problemas nos relacionamentos. Marie Louise von Franz, no livro “O Caminho dos Sonhos”, diz:
"Essa é a maior tragédia oriunda do animus negativo. Ele manifesta seu poder no momento em que a mulher ama. Ele tenta afastar a mulher de qualquer tipo de relacionamento, desvalorizando-o ou dizendo que é loucura. O animus negativo manifesta-se sobretudo como uma resistência, baseada em opiniões, a qualquer sentimento de amor. Se uma mulher se apaixona ou se interessa por um homem, seu animus negativo vem à tona e faz com que ela arruíne o relacionamento. Subjetivamente, ela não sabe o que está acontecendo. Ela acha que é maldição... Talvez ela projete e diga: "Ele foi tão maldoso comigo", ... O animus negativo comporta-se como um amante ciumento... se ela tem um sentimento amoroso por algum homem, logo aparece esse animus que diz: "você não deveria fazer isso".

[psiu... poderia ter dado certo mesmo com os mapas nos atrapalhando]

domingo, 25 de maio de 2008

Desenham outras possibilidades

Ainda que prefira meu quarto, do que o choro comovido, sinto o inerte, e apesar da cerveja meio quente provocada pela geladeira alquebrada, faço um bom negócio em passar um final de semana num cômodo grande, onde meu corpo ocupa receoso um / quarto de cômodo.

É quase manhã, mas meu quarto ainda respira a noite, isto por que, adoro beber cervejas que iluminam o dia, como vírgulas, as cervejas vão chegando, chegando e eu simplesmente não as pontuo, e é por mera vontade...

Odeio os pontos de interrogação. Adoro vírgulas; sempre me escapam, sempre conseguem e desenham outras possibilidades.

Gosto do inédito, mas o inédito está cada vez mais raro. E aí me ato ao visível, ou ao previsível, dependendo da quantidade de choro comovido ou de inerte cerveja.

É difícil me concentrar com vírgulas demasiadas.

E às vezes, eu penso, mas que merda ser e não ser escritor. E a fase criativa, está regada a cervejas, dar o dinheiro e correr, e a algo mais absurdo que todavia enfileirado com as regras métricas não consigo me lembrar.

sábado, 24 de maio de 2008

Não gosto de escrever de manhã

Não gosto de escrever de manhã. Apesar dos raios de luz que invadiram meu quarto, e chegaram atrasados, atrasados pois a insônia é um sol mais regular do que os ciclos e as estações.

Não gosto de escrever de manhã, por que a manhã não é um começo para mim, é um fim. Prefiro a noite, a madrugada, o fim de festa.

E não gosto de poesias, odeio a métrica, prefiro enfileirar minhas palavras e chamar de conto; é mais fácil, prático e simples, simples como a madrugada, não como a manhã.

Prefiro o puta que pariu sincero, do que comoventes abraços de hipócritas solidários.

Prefiro a cerveja engolida na raiva, do que a sofisticação que esconde a mediocridade.

Prefiro o torto, o desvio, a contra-mão.

Amanhecer é difícil.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Nada de novo

Atividades demais. Sonhos anotados, recorrências (in)afetivas, intuições; percepções, equilíbrio(?). Catarse, poesia solta. Solidão voluntária. Caminhadas a noite, observação. Ceticismo.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Vírgulas demais

Flores há, que não jazem
Vasos que não floream
Hábitos que não morrem
E há um jazz, que não...
Que não sobra!

sábado, 17 de maio de 2008

A Ruiva e as formigas...

Ruiva, eu não sei quantas cartas eu conseguirei escrever para ti, para tu, para você. A sequência não me importa; a subjetividade é imanente ao sujeito, o escrito não tem forma, o lido sim.

Depende de quem lê. Depende de quem bebe, de quem vê, ou de quem rima e acaba com a palhaçada toda na última hora.

Eu juntei meus polegares como se buscasse deus, mas você sabe, eu sei, e metade do planeta sabe, que deus não existe. Isto foi dentro de um ônibus, buscando o acaso, mas o acaso é uma construção tão frágil ruiva, que eu prefiro sempre idealizar você dentro de mim, principalmente no caminho de paralelepípedos amarelos que leva à minha casa.

Eu ando perdido. Sempre perdido, por que é assim que eu gosto de caminhar. Eu costuro as pessoas, caminho as observando, caminho assistindo a vida, que de tão real apenas parece um filme, onde eu, um protagonista decerto miserável tomo controle do destino; destino-roteiro.

Respiro, compro uma cerveja, as ruas estão cheias, extremamente cheias, na verdade as calçadas estão cheias, cheias de impermanência, e as ruas são apenas passagens, nunca se enchem, por que não se enche nada que é um caminho. E meu caminho Ruiva, apenas é caminho quando você passa por ele; só me sinto único, com raízes quando você me acompanha, e aí a realidade faz todo o sentido e consegue se fixar, se fixar. Por que a impermanência é uma regra nossa, uma regra nossa, que funciona sempre quando o mundo continua assim, fracticionado de indentidades suicidas, fragmentado de gente sem caminho, cujo caminho é ser não-permanente, é não ter caminho.

Vivemos sem caminho, vivemos regorgitando nostalgia, por que o presente é uma merda ruiva; sob a calçada há a praia, mas não descobriremos areia plantando concreto ou dizendo que a areia não existe. A gente só descobre as ruivas, quando estamos no limite.

Eu ando enfrentando abismos intransferíveis, pessoais e instransferíveis. Eu junto minhas mãos, eu olho por detrás do vidro dos ônibus, vejo os transeuntes, escondo parte da realidade, eu junto meus pés, estico minhas pernas como se desejasse algo de novo acontecer, mas nada acontece.

E quando acontece, é sempre o velho do mesmo, quando eu me motivo, quando estou extremamente empolgado com o novo, e o novo se estabelece, numa conversa de bar, num esbarrão no fim de tarde, num encontro casual numa kombi às cinco da manhã, eu volto ao meu redor, eu retorno ao círculo, não que eu descarte o mágico, mas as coisas retomam sua normalidade: retomam e ascendem à um estreito caminho; a mágica vira razão, o inesperado vira o óbvio, e a cerveja, acaba esquentando. E eu vejo que nunca houve mágica. A mágica é uma construção de uma cultura de vidro.

E eu acabo seguindo sua trilha, pegando suas pistas, uma flor de papel deixada no canto do bar, um coração de vidro espatifado numa esquina do centro da cidade, um olhar feminino, ignorado e administrado como rotina, ou uma festa onde eu sou o último a dormir.

E eu ruiva, onde eu me preparei, onde eu lhe esperei, e vejo as formigas caminhando por entre as letras, e eu não esperei o nobel, nem as formigas, e ainda assim penso que mesmo que você me encare, eu já fui derrotado.

Você nunca vem.

Você nunca vem...

Eu penso e me preparo. Preparo-me para o quê? Para o óbvio.

Eu sento e enfrento, mas você não vem; o óbvio nunca é tão óbvio, jamais. Eu sento, e desisto, eu escrevo, e acho que sinto; eu junto as mãos, junto a dor, junto você embalada com um laço, um laço lindo, rosa, com um cheiro marcante, com um cheiro de um rosa meio óbvio e aí eu malabarista de letras desisto, desisto repetitivamente com as letras, com o óbvio, com o sinto muito, eu apenas me beb0 e desist0.

Formigas invadem.

Eu chuto as formigas. Com os dedos. E eu acabo o conto, ao cheiro de rosas, sem rimas, com personagens suicidas, repetidas desistências e ainda assim; com as mãos cheias de enfrentamento.


quarta-feira, 14 de maio de 2008

Metáforas: E quem entende?

Publicizei demais isto aqui.

E agora o que sobrou?

Ruiva, o que sobrou?

Olhei umas fotos antigas suas, você está mudada, todos mudam, mas você mudou para algo que eu não reconheço mais. Ruiva, quando o lodo da terapia começou a subir, eu fiquei preocupado em nunca mais conseguir escrever cartas para ti. Eu também me preocupei exaustivamente, em mudar meu estilo. Mas quem está mudando sou eu.

Sem ruivas a vida fica muito mais complicada ruiva.

Eu não sei exatamente onde eu termino e onde eu começo. É uma fase de mudanças.

Digamos que eu odeio a ciência ou todas as pretensões derivadas desta. A psicologia matou o encantamento do mundo ruiva.

Eu matei parte de você, quando aceitei frequentar aquele maldito divã, uma vez por semana.

Ele está me matando ruiva.

Ele está racionalizando o sagrado. Ele descobriu o que era para permanecer preso, intocado e coberto. E o pior. Com a minha ajuda ruiva.

Eu o ajudei a me destruir. Por que não sei bem, se um Vasilli feliz realmente será originalmente o Vasilli que nós dois conhecemos.

Sinto sua falta ruiva. Sinto sua falta na fila do metrô. Na despedida do ônibus, na brincadeira no canto da sala.

Eu sinto falta da tristeza que você me deixou. Eu sinto falta de sentir falta. Por que agora eu tenho quase tudo.

Sinto falta de grandes conflitos. Estou próximo a perder algumas coisas. Entendo outras. Entendo que os controladores estão onde menos se espera. Quando eu acendi aquelas velhas velas, olhei para seus olhos, e fui pingando a cera no seu corpo nu, e você gemendo de prazer, totalmente entregue àquele momento, eu percebi, e como percebi, que havia um quê de sagrado em nossa relação, eu mais sensorialmente voltado às letras, mas você, entregue e possessivamente me abraçava, sem parecer não tão possessiva e não tão submissa, o que de certa forma eu adorava, me envolvia em teu manto de certezas e beijava-me com vigor, com toda o esplendor do teu corpo.

Eu adorava, e te idolatrava, quando você mantia seu lábio junto ao meu, quando sua respiração ofegava em tentar me encontrar, quando eu perdia o controle e você, estava lá, não para me observar, mas para me guiar carinhosamente, entrelaçando seus dedos em volta ao meu, quando nós, em nossas sequências de carícias, e não eram sequências, por que esta palavra não é digna do que acontecia ali, em cima da cama, quando as coisas aconteciam; eu respirava fundo, eu me entregava a você, eu me dobrava como um sino, e nós chegávamos ao paraíso juntos.

Era interessante perceber, tentar relembrar velhos sonhos, tatear tua pele de forma como se fosse a primeira vez que eu tocasse um corpo humano, e você, fazia exatamente o jogo que eu imaginava, mas sempre me supreendia, e para isto usava um gemido mais forte ou mais fraco, e eu pensava que meu espírito situara-se além de um estado de bem e de mal.

Era noite e frio, mas ainda assim comprimíamos nossos corpos nus, e o mundo parecia não existir ao nosso redor, enquanto ensaiávamos jogo de gato e rato com nossos lábios, com nossos sexos e corpos, imbuídos de prazer, fluidos e vontade de nos jantarmos mútuamente.

Era simplesmente tão espúrio à vista de falsas liberdades superficializadas por metas emocionais quase que administrativas, que nossos sonhos vinham a tona, e conseguíamos por um momento nos libertar das maiores prisões.

Vou prosseguir. Beijando teus olhos no infinito.

Mesmo que eu não te encontre nunca mais, miragem necessária.

O Solipsismo de Carlos

O cabelo cresceu junto com a introspecção. A barba fazia regularmente; demonstrava um senso de erudição vago e não permitia que conversas ocasionais descambassem para intimidades ou especulações sobre procurar ou não um terapeuta.

Lia Kundera e criticava os romancistas alemães, mas no fundo gostava, pegava panfletos na rua, colecionava atividades enfileiradas, escutava velhos conselhos e escrevia pouco, pouco.

O mecanismo impedia-lhe de conservar coisas simples, lavar um tênis, frequentar um médico, arrumar um armário, pintar um quadro por mês...

Quando deparavam-se com a originalidade diziam bem alto: Já foi dito!

Já escreveram! Pintaram! Velho demais!

Novo demais! Volte outra vez!

E quando não se contentavam, havia a resposta padrão: plágio de si mesmo, plágio de si mesmo, não posso contribuir com a decadência estética da arte. Volte outra vez! Tente novamente!

A luz apagava, mas seu senso de auto-preservação não, apesar da música e das regras que costumava impor: aos leitores vagos frases curtas, aos concentrados picava metáforas salpicadas estratégicamente, e ainda assim, ainda assim, desolado escritor sem fama: Carlos era um perdedor.

Diziam, chamavam este fenômeno, o de perdedores em massa, de pós-modernidade. Na verdade eram os mercados estreitos. O que os economistas, após fecharem as braguilhas sob a égide intestinal do aparelho digestivo num sábado à tarde pós-churrasco, chamavam, digo, pensavam de mudanças estruturais da economia.

Menos gente no topo, mais gente na base. E então, difundiam que aqueles, os da base, eram os perdedores. Gente sem talento.

Alguns inventavam teorias mais originais: As coisas poderiam realmente estar se repetindo. Monotonia cultural. Inércia intelectual.

E os mecanismos continuavam lá, impedindo por exemplo, a subjetividade de um conto. Quando for tão subjetivo terá 50 anos e uma conta bancária gorda. Gorda como a do Sarney. E ele entrou na ABL. Teve escrutínios.

Um solipsismo de massa nunca é bom pois Carlos gostava de causar uma certa confusão na leitura.

Uma filha poderia ser um verbo, um verbo um adjetivo, um adjetivo uma ação. Bastava-se de princípios e instintos formulados ao acaso.

Solipsismo demais o impedia de alcançar o topo. E Carlos indiginava-se com a distribuição de poderes. Ainda mal distribuído. Preferia o absolutismo, ou tudo ou nada, bradava!

E nem democracia total vivia, ainda era algo meio termo. Uma mescla de algo que se convencionou apelidar de crise dos sujeitos, crise das identidades.

Não queria prosseguir no conto, o solipsismo o invadia. O leitor poderia acabar, escrever o que quisesse. Ou apreciar até onde lhe aprouvesse. Não se importava.

A qualidade do conto é imanente ao sujeito.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Calar-se

Quando não se tem muito o que dizer, é melhor ficar calado.

Parece óbvio, mas não é.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Paz Interior

No banco do parque
Pardais e Tico-Ticos
Pontuam silêncios

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Duvido que leia

Vasilli sentia-se numa fase particularmente inédita. Inédita por muitos motivos; um deles referia-se à vodka, esta não era mais um consolo amigável, não que fosse um alcóolatra de profissão, e estava bem distante desta categoria, todavia começara a desconfiar do ciclo ascendente que estabalecera como premissa para produzir material literário; portanto, bastava-se, sem álcool demasiado, mas com demasiadas outras muletas ainda pendentes.

Desconfiava desta sua fase mais esperançosa, a desconfiança era sistêmica e racional.

Ao lado desta, residia um medo intenso, ou de tornar-se uma paródia transmutada em livros de auto-ajuda ambulantes, e sentia-se como um grande livro de auto-ajuda, quando lhe pediam conselhos afetivos por telefone, por cartas, com desconhecidos em mesas de falsos pub's no outono ou quando simplesmente era obrigado a citar cinco ou seis frases de efeito, que ele mesmo criou, para tentar convencer meia dúzia de amigos. Era cansativo.

Quando a ruiva entrou no bar, decidida a acabar com a farsa, exigindo respeito com dois goles rápidos e sufocantes de um conhaque ruim, ele já sabia que escutar jazz, apesar de clichê, era bem apropriado para o local.

Um bar sujo, uma vitrola que não funcionava muito bem, uma mesa de bilhar abandonada, meia dúzia de fregueses ruins, bancos de madeira contornado o balcão, um balcão ainda respeitável, apesar do garçom detestar jazz, e lá, a ruiva, batendo o copo vazio na madeira, e provocando um embate.

- Lembra do nosso primeiro encontro?

- Lembro.

As pausas propositais, quase sepulcrais duraram um gole da cerveja; Vasilli lembrou-se do último enterro em que foi convidado. Nada agradável, pranto, doença fatal, flores baratas e a repetição esdrúxula de etiquetas sociais(como as que utilizava para comprar pão por exemplo).

- Você estava usando aquele jeans comprado no Alabama.

Ela gargalhou. Ele ainda conseguia lhe fazer rir.

- Isto é muito clichê não?

Ela sorria... mostrando seus lindos dentes.

- Demasiado. Pontuou, Vasilli.

Ela gargalhou ainda mais, mas ensaiando um ponto final exclamou:

- Não gosto das suas cartas Vasilli. Não gosto mesmo, elas me enjoam. Você está fazendo exatamente o que disse que nunca faria. Puta merda, mas que contradição!

Duvido que leia, ele pensou.

Enquanto o garçom limpava o balcão, Vassili esboçou um sorriso no canto da boca; mas a piada dos clichês já não fazia mais sentido, e foi aí que surgiu como sempre surgia nesse frenesi de associação livre, a idéia de que boa parte das pessoas ensaiavam clichês em comportamentos, os arquétipos... A história não está tão errada. Mas isto só emergiu, depois de conectar sequencialmente o jeans fictício da Ruiva, ao Alabama, ao documentário sobre o racismo no sul dos E.U.A, a música pop americana, aos literatos norte-americanos, a um ou dois amigos fãs de Bukowsky e por fim, clichês; mas que volta.

- Nunca me esquecerei daquele saxofone Ruiva.

- A noite cinza. A garrafa de vinho quebrada. A luz baixa era desagradável...

Ela calou, olhava Vasilli compenetradamente, e ele já sabia que apesar de compreensivo, ele não poderia recuar.

- Faltava-me maturidade. Agora o que me sobra é em parte o que eu desejo perder. Ontem eu conversava com um homem-robô. Sabe o que é um homem robô? Uma pessoa que não consegue mais se mover naturalmente, por que seus traumas o conduziram a um engessamento da alma.

- Que se dane ruiva, eu não quero ser um engessado. Jamais.

Não o interrompeu por educação? Vassili não sabia. Decerto, seus mais curtos(agora) cabelos vermelhos(sempre), refletiam o whisky, que enganava o garçom, perdido lavando copos, escondia os clientes chatos no fundo do bar e o mundo rodopiava, rodopiava soçobrando Vassili cujas velas eram a ruiva. A ruiva movia aquele lugar.

Ela falava pouco, mas gestualmente era um monumento literário vivo.

- Eu te amava russo, mas você perdeu sua chance.

(Vassili achou que ouviu, mas não, ele não ouviu, ela nunca diria isto diretamente, precisaria rodopiar, por que estava numa posição defensiva que poderia desestabilizar seu falso compromisso com a sensibilidade)

- O que você disse?

- Que eu te falava. Que eu sempre te falei, que não há volta quando se ultrapassa o ponto limite Vassilli.

- E atingimos este ponto?, encheu o copo pediu mais cerveja.

- Talvez.

Papos deste tipo sempre os enojaram. Esse jogo de xadrez, este tango emocional, era danoso para a alma, mas profundamente enriquecedor para jogos de metáforas.

- Eu te amei. Te amei como um estúpido. Mas quem disse que o amor é inteligente...

- Suas cartas são... ela disse. São boas; são como você diz, farto material literário. Elas são isso tudo Vassilli, mas... você não entende... É hora de esquecer o Saxofone. Esquecer não. Desesquecer. São coisas diferentes, você sabe.

- Poderíamos falar sobre isto a noite toda não é? Até mais. A semana inteira.

- Sim. Mas o fim nunca é poético o suficiente. O fim sempre é ruim.

- Como o fim do Nato, Vasilli exclamou.

- Sim. Ela respondeu erguendo a cabeça . Como o fim do Nato.

- Ruiva... disse ele, interrompendo a melodia e gerando um tom de voz que desarmaria qualquer oposição.

- Fala. Diz.

(Ele pensou duas coisas. Duas possibilidades: A ruiva é uma ilusão necessária, um combustível do meu ofíciou ou eu inventei isto para justificar algo que eu não posso assumir totalmente, que ela tem o controle de Eros, a Eros de Vasilli.)

- Vou pagar a conta e...

- Não quero mais escutar jazz. Vamos embora!

Das necessidades da Revolução

A revolução precisará de mulheres e homens. De carne e osso, e espírito. Espírito de luta, de revolta, de esperança e amor.

A revolução precisará da liberdade; pois sem ela, tudo estará perdido antes do princípio.

A revolução precisará do acaso, do inesperado; porque mesmo sem deus, é necessário confiar no não controlável.

A revolução precisará da história, mas esta, até hoje, nunca esteve ao lado das revoluções.

A revolução precisará de poetas. Não para escrever sobre ela mesma, por que a única poesia digna de menção é a que se constrói com as próprias mãos.

Zapata nunca morreu

1919

Cuautla

ESTE HOMEM ENSINOU-LHES QUE A VIDA NÃO É APENAS MEDO DE SOFRER E ESPERA DE MORRER *

Teria de ser à traição. Mentindo amizade, um oficial do governo o leva para a armadilha. Mil soldados estão esperando por ele, mil fuzis o derrubam do cavalo.

Depois é trazido para Cuautla. Mostram-no de barriga para cima.


Os camponeses acodem de todas as comarcas. O silencioso desfile dura vários dias. Ao chegar frente ao corpo, param, tiram o chapéu, olham cuidadosamente e negam com a cabeça. Ninguém acredita – falta uma verruga, sobra uma cicatriz, esta roupa não é dele, pode ser de qualquer um esta cara inchada de tanta bala.


Os camponeses cochicham sem pressa, colhendo palavras como milho:


- Dizem que foi embora com um compadre para a Arábia.

- Que nada, que o chefe Zapata não foge.

- Foi visto pelas montanhas de Quilamula.

- Eu sei que dorme numa cova do Morro Preto.

- Ontem à noite, o cavalo estava bebendo no rio.

Os camponeses de Morelos não acreditam, nem acreditarão nunca, que Emiliano Zapata possa ter cometido a infâmia de morrer e deixá-los sozinhos.

* Fragmento extraído de “O Século do Vento”, de Eduardo Galeano. Porto Alegre, LP&M, 2005. Eduardo Galeano, conforme indicação no livro, utilizou-se da obra de John Womack Jr. “Zapata e a Revolução Mexicana”, para a sua composição.


(agradecimentos ao Fábio, companheiro de graduação que me enviou por email!)