terça-feira, 24 de julho de 2007

Dormiu até dormir

Em coma. Há seis meses que ele está em coma, sr. Voz grave. Falsa emoção de dor.

Um bom ator.

Como assim. Voltemos ao início. Eu tomei um whisky sem gelo com Nato. Ele recusou as pedras de gelo, o que habitualmente fugia do padrão. Eu demorei a perceber o que estava errado. Um telefonema. Dois telefonemas. E aí eu cheguei no hospital de St. Mary. Eram doze horas. Estava claro. E eu tinha uma coca-cola gelada numa das mãos e um amigo em coma.

Tudo estava meio branco. As paredes do consultório, do hospital, os uniformes, o pipoqueiro na saída do prédio e metade da folha de ofício que eu guardara no bolso esquerdo da calça jeans.

O teto não. O teto era bege.

Nato perdeu-se. O doutor explicava, usava metáforas(e o puto era bom de metáforas), me pedagogizava, me educava, castrava meus instintos, em prol de uma explicação objetiva. Os fatos estavam dados. Um amigo em coma, uma conta grande para pagar, um leito sem fiador.

Eram caminhos para o xadrez. Podiam aliás, pintar o leito de xadrez. Combinaria com Nato.

Nato era um homem sincero, meia idade, costumava bebericar nos finais de semana em pontualides britânicas. A rotina, a realidade conseguiram o chatear. E o que você faz com o que lhe chateia. Pede mais duas pedras de gelo e diz foda-se para o mundo.

Mas Nato conseguiu ir além. Quer dizer. O além ainda não era parte de Nato. Faltava mais um ou dois pontos antes do purgatório.

Eu brincava com o anel da latinha de coca-cola, sacudia os ombros e via Nato cheio de parafusos, mangueiras e aparelhos respiratórios. A vontade que eu tinha era levar o puto para um bar. Até sorri, quando imaginei Nato tomando um martini numa quinta a tarde com meia dúzia de catéters pendurados no corpo.

Nato. Homem que resolveu sonhar.

Tudo começou num poema. Este era o poema.

...
.....
.......


Mas poemas e sonhos eram todos iguais.

Resolveu não dormir mais.

No início apenas força de vontade. Após, estimulantes.

Cafeína. Anfetaminas, derivados do tipo.

Caía em si. Era um beat generation deslocado do tempo. Era a vez da yoga e da meditação. Apeasr do que não conseguiria forçar gravitações aleatórias.

Randômico.

Resolveu não acordar mais. Dormir era melhor do que sonhar. Por que no mundo de orpheu não haviam opressivas leis da gravidade.

E pensou ser melhor, enquanto Vasilli dormia, profundamente o sonho dos incautos.


(melhoramentos virão)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O curto verão do amor

Te amei
Por curtos dias
Te amei
Intensamente movi, cada grama
Da minha paixão em tua direção
Curta estação durou nosso amor
Morto antes do final do verão
Sobrou apenas tristeza em pedaços


Vigorosas tragédias
No escuro repartem
Um eu que não cabe
Mais em ti

Cujas fracas capacidades
Não possuem, de terminar
Um simples poema


segunda-feira, 16 de julho de 2007

Mesa de Vidro


Fumou o último cigarro do maço. A carreira de pó estava sobre a mesa de vidro. Hoje ele não iria cheirar, estava sem dormir há 4 dias.

Luana e Serena se revezavam com o canudinho improvisado da nota de 10. Tentou apostar mentalmente se iriam se agarrar antes das três ou iriam morgar no sofá do corredor.

Já estiveram em dias melhores. Há dois anos atrás era possível cheirar com uma nota de 100.

Mas eram maus tempos aqueles.

Estava insuportávelmente quente. Talvez fosse por isso que não conseguira raciocinar sobre quantas cervejas sobraram no congelador; ou talvez fossem as anfetaminas, não importa, um bem apertado equilibraria a situação.

Já eram duas e cinqüenta e sete quando resolveu descer e pegar mais cervejas, o colchão estava rasgado, haviam três camisinhas, um papel onde lia-se "compra-se ouro" e quatro moedas de 1 real sobre a estante de mogno, o rádio estava ligado e tocava "Riders on The Storm" do The Doors, the killer on the road como planejara antecipadamente. Luana e Serena já se pegavam; ignorado, resolveu cheirar o pó que sobrara antes das cervejas, tropeçou nos tacos quebrados da sala e caiu dentro.

Dentro era uma boa oposição.

Tinha fermento barato na coca, podia sentir claramente, era fermento royal, com aquela embalagem que não muda com o tempo, imutável, detestável. Não apreciava o estático. Seu mundo não era seguro. Mas os viciados mudam, pensou antes de sorrir ao espelho retirando espinhas e alisando a barba não-feita.

Os viciados mudam.

Vidrado, viciado, lembra vidro, lembra mesa de vidro, lembra a última carreira de pó que ele esqueceu de cheirar. Com o canudinho da nota de 10.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Sonhos que não aconteceram

Subo as escadas. Encontro uma passagem à esquerda. Há quebra-cabeças a serem montados. Saio, subo mais escadas. Entro no vagão do trem. Está cheio. Uma música francesa no fundo. Eu desco. Pego flores. Chuva de rosas. Pétalas. Cubro-me. Está frio. Caminho pelo frio. Paralelepípedos. A ruiva sentada num deles. Eu olho para o sol, para as grades verdes. Ela desaparece em seguir. Há cigarros no meu bolso. Eu tento acendê-los. Há uma árvore. Não há isqueiro. Notas amassadas, pontos amassados, placas enferrujadas e uma caneta no bolso direito.

Venta demais. Está frio, escuro, é parte da noite. Caminho. Há um gramado. Uma pedra, uma cachoeira, um lago agradável e um encontro que não aconteceu. Há um círculo no meio disto tudo.

Eu fecho o livro. As borboletas ensaiam uma nova esperança. Novamente, fecho e abro ciclos.

Espanto a monotonia. E os dias incrívelmente demoram a passar.

sábado, 7 de julho de 2007

Meu primeiro dia de férias

Férias combinam com descanso, contrariando assertivas o emprego porção simples descartável que eu arrumei moía meus ossos, carne e espírito nem tanto, pois eu precisava realmente me alienar sabe. Apertar alguns botões. E nada melhor do que um emprego temporário ruim para realizar tal tarefa, afinal de alienação o capitalismo supera quaisquer concorrentes.

Sarcasmos e ironias a parte, nem meu fracasso homérico no curso de alemão, nem meu encontro com minha afta, diga-se de passagem cada vez menos inflamada, conseguiram destruir meu humor naquele dia. E foi fácil discutir os sete ensaios da realidade peruana sob sete cervejas da confraternização dos meus sete, desculpe não rimou, mas eram un 20 ou 21 amigos de classe proto-historiadores.

A caminhada até a Lapa rendeu algumas belas visões do Rio antigo, as escadinhas, os azulejos, as cores do marginal, do contrário, me rendiam boas intuições. Aliás, segundo o teste do "Cognitive Process" sou um intuitivo extrovertido com 42,9 % de desenvolvimento destas capacidades, o que segundo este, consigo deslocar a dinâmica de uma situação e explorar possibilidades potencialmente imaginativas. Sim, o "Cognitive Process" está correto. All right. Sehr Gut. Eu exploro demais estas situações por que são estas que me trazem algum significado que me fazem aturar boa parte do mundo cinza que criaram para mim, para nós, sem nos consultar se permitíamos tal ofensa aos instintos e desejos livres da vida.

Atravessei a Lapa até a praça Tiradentes, como de costume, costurando a rua da Carioca e amaldiçoando a estátua de D. Pedro II. Tão imponente e ridículo ao mesmo tempo. Meu ônibus aguardava-me no ponto, e como de costume, pensei com a coragem etílica e a subversão natural que me embalava o retorno para casa, naturalmente não pagar a passagem, viva a desobediência civil, pequenos atos; a oportunidade surgiu com um senhor que entrara pela porta de trás e eu furtivamente o acompanhei.

O motorista no entanto percebeu tal artimanha, e perguntou ao senhor se eu era seu acompanhante(afinal acompanhantes de pessoas idosas, deficientes visuais ou portadores de necessidades visuais não pagam passagem), para minha surpresa ele afirmou que sim, e começamos a conversar.

Ele era cego, contei a ele que estava sem dinheiro(e realmente estava) e que por isso não podia pagar a passagem. Ele me pediu para eu descê-lo na passarela 9 da Av. brasil.

Na hora achei graça, graça talvez nem seja(e não é provávelmente) a palavra correta, mas piadas internas a parte, o 9 me persegue há alguns anos e nada mais natural que tudo aconteça de forma cabalística neste momento que eu me ordenei, de forma um tanto autoritária a invadir o desfiladeiro do inconsciente, retornar a origem, buscando não respostas, mas iniciando o caminho.

Folhear o Tao Te Ching religiosamente antes de dormir ou escutar Amnesiac do Radiohead para embalar o caminho dos sonhos pode parecer profusamente confuso, mas na realidade as coisas só se modificam quando há pó de estrelas tentando acender uma supernova de introspecção.

É perigoso ser tragado, como um buraco negro zombeteiro que nega as leis da física e dobra o espaço-emoção em cacos disformes de dúvida ou assombro, mas faz parte do processo se endividar emocionalmente, saber o que realmente acontece, onde está o yin e o yang, o que fazem, como se comportam e por que diabos a criatividade resolve nos abandonar.

No ônibus, o senhor continuava, eu escutava mais do que falava, e também, estupefato pelo impacto sincrônico e da impressão sensorial que eu estava tendo, não consegui articular nada mais do que cinco ou seis frases. Ele catava papelão. Era cego... Sobrevivia assim. Disse que se deus quiser ele conseguiria ficar bom da vista..."

Aquilo foi indescritível. O raciocínio se perdera assim como eu perdi parte do que planejei para este pseudo-conto por que as palavras como bem disse Nietzsche são uma "serpente"; e afinal, nunca representarão(ainda mais com minha inabilidade poética e gramatical) o que realmente sentimos, vivemos, tocamos.

Talvez não esteja com tanta criatividade assim. O fato é que o cansaço me obriga a terminar um conto que poderia ser muito melhor do que meras frases farfalhantes de efeito moral.

Mas o cego... O cego era eu número 09... Estava cego de luz. Não é preciso olhos para enxergar. Eu tenho os meus e ainda me sinto tão cego. Lição que a passarela 09 e o senhor que eu ajudei a descer no ponto jamais me negarão na lembrança. Não é preciso entender muito para iluminar-se ou falar muito para fazer entender.

Aqueles olhos esbranquiçados, e voz calma e pausada, foram suficiente para eu tomar um bom banho de pó de estrelas e sentir o gosto da vida outra vez.

E como diria Lao Tse: "Quem se ergue às alturas sem desejo, enche de silêncio o coração."