sábado, 26 de janeiro de 2008

Mangas no quintal

Meu mundo girou
E tem mangas caídas no meu quintal
Meu mundo mudou
E tem cheiro de manga fresca no meu quintal
As mangas repousam no chão

E eu insisto em não catá-las
Por que só penso no redemoinho
De olhos verdes
As mangas não estão verdes
E nem precipitadas

Ainda assim...
A bagunça do meu jardim
E as demais mangas jogadas na grama
Jamais foram tão lindas
Tão lindas como agora são

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Mudanças e Andanças

Não sei
Não sei
Por que se soubesse
Não sentiria
Apenas sinto
Sinto, mirando as estrelas
Tuas estrelas
Que tu abrigas
Em teus olhos

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Baixa temporada

Baixa temporada é uma merda.

Escrever ansioso é uma merda. Uma bosta. As pernas inquietas, os cigarros que se acumulam no cinzeiro, as batidas secas irritantes na mesa de mogno, tentando pescar um pouco de inspiração.

Mas não, nada acontece, nada. E ele se volta novamente a tela do computador, quando está puto, pega uma velha máquina de escrever e brinca de adeus a contemporaneidade. Tudo em vão.

Falso.

O ambiente plástico da firma, do bairro, do banco, não deixa a enganar; é pós-modernidade sim, cínica, é verdade, e relutante em aceitar que o velho mundo, da escravidão, da pobreza, está presente; mas convenhamos, ela dissimula bem, muito bem.

Estava, continuava, inquieto. Levantava da cadeira, fumava, jogava ela pro alto, andava em círculos, se coçava... Ia beber água. Cadê a maldita cerveja? Quente, no congelador, aguardando talvez a inspiração chegar.

Resolveu abrir os armários, tentar achar, algum escrito velho, não para continuar o texto, não imediatamente, mas tentar resgatar do limbo, uma porção do inconsciente. Até uma dor de cabeça era mais criativa do aquele arremedo de escritor.

Pincelava palavras, apagava-as, brincava com as letras, dançava nas frases e perdia-se nos pontos. Foi abrir a janela, um pouco de ar faria bem; modificaria aquela atmosfera viciada do seu quarto. A madrugada corria, o ventilador de teto incansável, a escrivaninha combalida, a luminária torta, acesa, e ele então resolvera inundar se de recordações, que era o que mais gostava de fazer nessas noites nostálgicas.

Olhou lá pra baixo, a rua vazia, silenciosa, os paralelepípedos mudos, nem um só latido, nem um só suspiro sonoro, tudo na mais tranquila paz, que o herege do apartamento do segundo andar quebrava, mesmo sem atrapalhar ninguém.

Se sua mente flutuasse pelo quarto, subisse e olhasse para a rua, não veria muitos insoníacos, talvez algum cinéfilo descamisado, mas se flutuasse mais, e subisse para contemplar o bairro, encontraria alguns sonâmbulos, deprimidos despertos, alcoólatras, talvez ouviria o som de orgasmos, cerca de quatorze, não necessáriamente nesta mesma ordem. Ao abstrair mais, chegaria a uma cidade, conjunção de bairros tortos, meandros, favelas, morros, precipitações, becos sem ligação, barricadas de tijolos aglomerados, ouviria cheiro de morte, de destruição de lares, e encontraria também opulência, conforto, encontraria uma fila de apartamentos bem iluminados, tão silenciosos quanto sua rua, porteiros educados, luminárias francesas ou belgas, importadas, quadros, comida boa na mesa, patê, patê de algo defumado horroroso em seu processo de produção, mas éticamente viável dentro de uma estrutura de fios vermelhos, azuis, rosas, amarelos, marrons, que se encontravam naquele circuito vivo de cidade,

Com seus próprios mecanismos queimava circuitos específicos, apagava transistores nas ruas, eliminava bits, bytes, o bailé profano e serial do 0 e 1 seguia por entre as avenidas, ruas, viadutos, ligações cinzas-concreto, que jogavam de um lado ao outro mendigos, catadores, meninos que viviam nas ruas, desempregados, marginais de farda, marginais sem farda, e carrascos executores dos bips, das alavancas, dos processos eletrônicos-sociais.

Em algum lugar alguém semeava, plantava um pedaço de vida, em meio ao silício, mas eram bits soltos, inertes, que poderiam ser eliminados pelo algoritmo do sistema principal, dos chips bem organizados. Quando uma infestação de ferrugem corroía o silício, era hora de trocar placas-mães inteiras, de apagar e cortar na própria engrenagem e mesmo assim, manter os videomakers "com vídeos da escrava isaura, vídeos da escrava isaura", regorzijarem-se com os mecanismos da urbe-elétrica-urbe.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Dos sonhos de manhã

Hoje eu acordei pensando em você. Você estava lá nos meus sonhos, não participando própriamente do enredo onírico, mas apenas observando. Vestia uma blusa verde e me espreitou em duas situações. Situações limites, situações das quais eu mal consigo própriamente me livrar quando acordo, por que eu olho para o lado da cama e você não está lá e eu sinto aquela ressaca emocional me invadir, mas eu não estou bebendo atualmente, por que não quero dar chance para a depressão me dominar neste calor infernal. O sol está forte ruiva, mas eu não, eu continuo um fraco em busca de energia, de força, e foi utilizando metáforas que eu tentei me esquivar de você, mas quem entende metáforas? Ruiva, eu olho para o meu quarto, um quarto tão sufocante, e quente, com alguns broches, livros, um copo vazio largado no pé da cama e eu sei, e continuo a saber toda manhã em que você resolve aparecer por detrás das cortinas azuis, que você me marcou profundamente, deixou impressões na alma ruiva, e não se esquecem impressões assim com tanta facilidade. Quanto eu já escrevi por você ruiva? Quanto material literário fresco e vivo você me deu? Na verdade eu deveria lhe agradecer, pois você me concedeu um privilégio, uma inspiração que eu não conseguiria em nenhum mais momento.

Eu deveria retribuir isto de alguma forma, mas a única saída que eu encontro é ser incompreendido, por que as incompreensão faz parte de uma dificuldade intríseca das solidões se comunicarem. Eu não consigo mais por exemplo desenvolver os textos a uma certa altura, por que eles sempre morrem de tédio e se reproduzem infinitamente tediosamente nas mesmas dúzias de palavras que se amontoam. Talvez se eu parasse em algum lugar calmo conseguiria pensar mais claramente e as palavras sairiam. Vou tentar fazer isso em janeiro.

Talvez acampar em algum lugar. Fazer algumas trilhas. Pode ser que funcione.

Bilhetes soltos para a ruiva e que ele não enviou

Mover-me rápido, intensamente, não me cansa muito. O que me cansa são as ausências. Sou metade humano, metade dínamo; eu troquei meu coração por um opala 77, mas o opala bebe demais e meu fígado andou reclamando.

Meu coração, está meio chamuscado, mas ainda consegue bombear energia para ações concretas. E concreto consegue definitivamente erguer barreiras que não se permitem rachaduras do passado.

O passado não desagrega nada. É o porvir, a expectativa do futuro que enferruja o presente.

Andar muito não cansa tanto. O que cansa é não ter alguém para compartilhar os sabores dos caminhos. Estar apaixonado é um devir, não um porvir. Estar apaixonado é manter a mudança. Estar sozinho alimentando o porvir é suicídio parcelado. A solidão é o devir em movimento. Estar sozinho é na verdade uma reunião forçada entre as partes diferentes que habitam uma mesma pessoa-persona.

Recarregar energias é algo natural. Mas(...) [rabiscos simultâneos]

(Continuação, rasura)

Você deve entregar o pacote na caixa de correios do destinatário da carta anterior. Eu não aceito um não como resposta, pois eu já esperei demais reaver metade das minhas coisas, e elas você sabe muito bem, cabem aí dentro de uma caixa de correio tamanho padrão(ia usar seu coração, mas é um recurso de estilo ultrapassado, assim como corações grandes e confortáveis modelo 77). Não quero ficar com ninguém ruiva. Ninguém em especial. Quero dançar ao som da música. E a música diz: voe, voe. Sinta-se assim e verá o quão longe(ou fundo) poderá realmente atingir. É um risco. Grande. Perigoso. Mas tem gente que se acostuma e consegue plainar sem acelerar, vez ou outra.

Até ruiva. [rabiscos]