sábado, 27 de setembro de 2008

Anninka nas estações

A vida de Anninka não tinha mais sentido.

Ela achou ingênuamente que o sentido se revelaria diante do caos de sua rotina. Diante do ônibus, do amor perdido, da paixonite de final de semana, do emprego que nunca chegava...

Mas o sentido não desabrochou com a primavera, e ela virava cada vez mais adubo.

Quando o cinza tomou conta do céu, os viadutos e os remédios proibidos pelo terapeuta ficaram cada vez mais atraentes. E Anninka, pensou em dar um sentido para a vida na morte.

Joana e Krist ficaram preocupados, pois gente fria em país quente é garantia de resfriado ou de suicídio.

Os pulsos de Anninka ganharam uma pulseira verde-marrom e o sentido mudou em cada estação.

O mundo continuou e o adubo da primavera foi comprado na banquinha de flores mesmo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Comentários fortuitos

Ultimamente ando odiando boa parte do que escrevo.

Este texto pode conter cenas não recomendadas a adultos

Coca sem gelo. E ele não bebe refrigerante.

Nem gastrite, nem tensão, apenas luxúria.

O tédio tomou conta do cômodo. Adorava quando isto lhe acontecia. Pedras de gelo tintilavam no copo, os maços de cigarro se esvaziavam e ele costumava fazer o que sempre fazia quando o tédio lhe consumia: chamava o absurdo para uma conversa.

Pior do que a dor era a monotonia sem causa. A entediante rotina que lhe incomodava sem realmente significar necessáriamente um pedaço de coisa relevante.

E cada desgraçado que cuspa na sua desgraça!!!

A cerveja fazia mais sentido do que o livro, do que a condução, do que o metrô lotado, do que as frases jargões de quem acha que sabe mais de você do que você mesmo.

O cotidiano era uma pura perda de tempo.

Olhe para a raiva nos meus dentes, e falava batendo na cara com força, falava estapeando-se, em frente ao espelho enquanto algum filho da puta sincero, hipócrita, mas sincero em sua mediocridade, podia fugir dos abismos, fugir o tempo que lhe fosse preciso.

Era o preço da ignorância. O ignorante foge dos abismos. O idiota os procura.

Olhe para mim seu filho da puta. Olhe nos meus olhos e diga com a certeza entre seus culhões que você é a escolha perfeita de deus. Besteira! Merda tendenciosa...

E sabia, mesmo baixando o volume de voz, enquanto a respiração arfava, e a terceira ou quarta sinfonia emoldurava o mais-do-mesmo.... que enquanto os cacos do espelho caíam no chão de azulejo daquele banheiro medíocre, daquele banheiro imundo, imundo como a alma do mundo hipócrita defendido nas sextas-feiras felizes, um novo mundo, um mundo renascido da sujeira criava um novo ser humano.

Um desestruturado.

Arfava e sentia os pulmões congelarem. E sempre neste momento, os hipócritas, os demagogos, os ignorantes, os cafetões emocionais e as putas afetivas de final de semana se reuníam com os dedos apontados.

Ninguém disse que seria fácil desagregar-se de si mesmo no meio do trajeto da vida...

Nenhum filho da puta explicou que o preço a se pagar seria este: cacos de espelho no chão, respiração pesada, pulmões congelados...

Nenhum imbecil demonstrou que esse plano não daria certo. Que esta merda iria fundir no meio do caminho! Porque não compraram outro motor?!

Ninguém disse que a cerveja esquentaria, que o mundo viraria uma repetição, que ele teria de escrever tudo antes que alguém o negasse.

Ele não se arrependia, mas podiam ter enviado o manual de instruções junto com a coca-cola sem gelo. Pelo menos não teria gastrite, pelo menos não escutaria som de Manchester, pelo menos não perderia o tempo explicando-se a infelizes que o sentido era uma criação humana.

Comprar um sentido para vida era muito fácil.

Mas este filho da puta desequilibrado não comprava sentidos na vida. Não tinha obrigações com os fúteis, com os medíocres, com os recalcados e com nenhuma pseudo-mitologia de final de semana.

Ninguém explicou que que de Getúlio a Castelo havia apenas meia dúzia de lápides. Ninguém disse que até a raiva passa. Até a música acaba. Até a adrenalina se bebe com aquela coca-cola aguada.

E era só um dia de semana ruim, que ele transformou em algo melodramático. Tedioso e melodramático.

Ofensivo, ruim.

Coisa de gente desequilibrada.

Coisa de gente que adora comer absurdos. E o absurdo de vez em quando aparece, algumas vezes sorridente, magro de sentido e fútil.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

As coisas que se desmontam

Normalmente olho para textos antigos, folhas de caderno soltas, envelopes abertos, para me inspirar.

Mas é tudo merda. Merda.

Quando olho para aquela parte boa, aquela parte singela e ingênua de mim que costumava acenar no domingo de sol; eu paro e digo: seja realmente rapaz, seja realmente o que você é.

Este rapaz que tenta se inspirar em folhas, e cadernos soltos. Seja o que você é.

Uma repetição. Talvez otimista.

E quando o mundo cai, e preste bem atenção, o mundo cai sempre nos finais de semana errados e nas tardes em que ninguém além de você percebe, os significados e os significantes costumam fugir pela janela do ônibus.

Com sorte há uma anomalia, um desvio padrão que obriga a dizer um ou dois palavrões.

E tudo volta.

Mas há um momento em particular, um momento bem catastrófico, apesar de interessante e comum, onde as regras do jogo parecem não ter mais sentido. Na verdade, o próprio sentido parece não explicar-se; o sentido não mais existe e o absurdo reina.

Reina dentro de você. Apenas você.

A organização das casas, o formato dos portões, a velocidade e forma dos carros, as pessoas indo de um lado ao outro, dia após dia; os botões, os livros de pós-estruturalismo, os livros que negam o pós-estruturalismo, a gramática, alguém que resolve não pensar nisso tudo, o planeta terra, as geleiras glaciais, o deus cristão, a organização da poesia, pensar sobre o caos. E você.

Café da manhã.

Não. Não há sentido. O absurdo, quando não vem enlatado em situações limite, implica serendipidade, implica desapego.

Apesar do quê. A merda do desapego é o contrário do que pretendo aqui. Pronto, falei tudo.

Não se deve falar assim, tão explícitamente explícito como um aparelho excretor em funcionamento, mas a verdade é que parte de mim não gostaria de transformar um texto tão bom num requiém gramatical. Mas mesmo assim você já transformou minha vontade na sua vontade. Teu infinito me consumiu e sim, você está certo, não há espaço para infinitos coexistirem.

O texto acaba por aqui: mas ele prossegue.

Começando do princípio, e voltando ao normal, o que eu queria dizer é que tem dias que a gente não é humano. E você sabe disso melhor do que eu. E eu não preciso me esforçar para explicar algo que o absurdo lhe contempla. Não olhe para cá, olhe para dentro de si numa noite vazia, numa sequência de dias ruins, mas isto tudo é pouco para um dia em que você resolve tomar uma boa dose de absurdo e esvaziar as garrafas de abscinto de sentido. A noite normal que nem as anfetaminas lhe dirão algo. Pois o algo já se perdeu falido no origami reproduzido sequencialmente pela eternidade.

Tem dias que a gente enlouquece e ainda produz cadernos soltos, envelopes vazios, contos ruins.

Há dias que o absurdo nos engole.

Há dias em que coisas absurdas acontecem.

E acabam. Acabam assim, como começaram, dentro de você.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Minhas Dores / Tinhas Dores

Minhas Dores

Minha dor não cabe numa terapia
Se coubesse, não seria minha dor

Mas sim, uma dor alheia
E por ser alheia...
Não seria mais minha dor
Mais uma dor que seria outra

Por conseguinte
Uma dor sem importância
Uma dor frívola como um céu arrebatado!

Como todas as outras dores
E portanto mínima
Aos olhos de minhas dores
Ou de elucubrações de final de semana

Que apesar de não terem olhos
Olhos no céu!

Seriam fatídicamente!
Como uma dor de outono!

Tinhas Dores

Minha dor não cabe numa merda de terapia
Se coubesse, não seria uma filha da puta-dor

Mas sim, uma porra de dor alheia
E por ser caralho, alheio...
Não seria mais minha buceta de dor
Mais uma dor que puta que pariu, seria outra

Por conseguinte
Uma dor sem importância
Uma dor frívola como um cú arreganhado!

Como todas as outras dores
E portanto mínima
Aos olhos de minhas dores
Ou de menstruações de final de semana

Que apesar de não terem olhos
Olhos no cú!

Seria fatídicamente!
Uma dor de corno!!!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Tardes Vazias

A fase da introspeção não é indiferença, talvez nem tristeza.

Não é nada em particular, é apenas atrito.

Esperando desastres ou milagres. Esperando algo que pontue o cotidiano.

O tempo precisa ser marcado.

Falta algo e eu sei.

Os fios de cabelo envelhecem. E daqui a dois sábados planejei um porre, para mudar o cotidiano.

O álcool não é mais divertido, quando não se tem a segurança do lar.

O atrito é silencioso, pessoal, intransferível.

Ocupar alguns espaços sempre é bom, quando se tem vazio demais para oferecer. Um vazio voraz que sempre clama por mais espaço, por mais milagres, enquanto a matéria envelhece, o corpo pensa.

Exigências nunca me fizeram mudar o rumo. Não trocaria o atrito por uma vida sem vazios.

Os vazios me enchem; intransferíveis, pessoais, pontuam cotidianos, oferecem algo que eu nunca tenho mas sempre busco.

É um horizonte vermelho: e já que eu escolhi o vazio que me escolheu, posso me dar o direito de me mostrar assim: introspectivo.

Nem indiferente, nem coerente com as expectativas do outrém. Nem quente, nem frio, apenas engolido, engolido pelo vazio.


domingo, 14 de setembro de 2008

Poesias secretas

Você sorri com a morte nos dentes
E ainda assim resolve enganar
Todos eles que distribuem saliva na mesa de centro

Eu não bebi a última cerveja
Mas você me encontrou com gemido nos olhos
Era parte do tecido
Um tecido ruim

Você pagava o pecado na mesa
E eu nunca, guardei nada para ninguém

Eu te amava
Te amava

Como um sorriso no fundo
Ou uma porca pintada de verde e vermelho

Eu te amei com gemido na mesa
Eu era erótico
Minha saliva nunca guardei para ninguém

Eu te amava
E os que distribuíam sorrisos na mesa
Ou no fundo da mesa...

Não guardavam o pecado
O pecado que eu vomitava
Vomitava, na mesa, entre os dentes

sábado, 13 de setembro de 2008

Uma corrente

Vai vir um conto novo por aí...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Efêmero

Tudo passa, tudo vai. Algo fica, algo sai.

Era meia noite e eu tinha meu cachimbo. Tinha fumo, tinha raiva, iria fumar impaciência. A cicatriz no braço não fechava, talvez culpa da cannabis.

Há coisas que não merecem ser cicatrizadas e há coisas que não cicatrizam apesar de não merecerem. E pouca gente merece. Mas quem merece normalmente sabe deixar marcas.

E eu encontrava os fios de cabelo dela por toda a casa. Um dia eles iriam acabar.

Faltava limpeza naquele cômodo.

O som não funcionava e a estupidez estava no congelador aguardando a estrela certa. O sinal do óbvio estalava por todo o quarto.

É um quarto de esquina, de esgrima consigo mesmo, havia um sofá de dois lugares vazio, uma arena de tolos, conformada por sobre um circo particular. Confortável e gordo sofá, um gordo afável, que não usa em hipótese alguma os broches do "quer-perder-peso-pergunte-me-como"; é um sofá de bem com a vida, de bem com o quarto. Um sofá extremamente gordo.

Gordo de ausência.

A estante de livros, óbvia. Óbvia pois tinha livros; se não fosse óbvia guardaria sapatos e a mesa de centro marcada de fumo, de guimba, cheia de papel, evidentemente a que mais trabalhava naquele quarto infame.

O eterno é a mera soma dos efêmeros. Quem pensa o contrário ilude-se. Quem acha possuir o eterno ou o almeja, engana-se, pois apenas alcança efêmeros parcelados. O eterno nunca foi eterno. O eterno é esquartejado pelas pontuações do destino.

Papo de perdedor é claro. Mas quem nunca perdeu, quem segue os modelinhos nascei, crescei, multiplicai-vos, multiplica certezas e embota juízos.

O eterno é a ignorância. O eterno é não perceber as pontuações. E para que servem as pontuações? E quem realmente deseja de todo o espírito e causa, reconhecer e enxergar as pontuações? Quem seria idiota a tal ponto?

A curiosidade condena o indivíduo. Condena; e ninguém disse o contrário; se dissessem, o sofá, a cama de casal e a mesinha de centro, acusariam o erro.

Móveis que são parte do eterno... Mas lembremos, lembremos sem não mais tristeza mas com uma dose de esperança na constatação mórbida do desapego, que o eterno é o efêmero parcelado. Logo os móveis efêmeros, a mesinha, o sofá, a estante se degradam, e é o princípio entrópico. Uma merda comparado ao THC, a hemodiálise ou ao videogame de final de semana.

Mas pense bem. Degradam-se dia após dia e você não vê. O eterno embotou sua visão.

Está tudo morrendo.

Inclusive os fios de cabelo dela. A cannabis, a impaciência. E tem coisas que precisam morrer.

O eterno é efêmero unido à força. E nada unido a força realmente funciona. É só ficção. É só ilusão. É só esqueminha nascei-crescei-multiplicai-vos.

E você, nem o sofá, nem a mesinha de centro e muito menos a estante querem ser parte disto certo?

Portanto sê como eu, efêmero, e me nega.








terça-feira, 9 de setembro de 2008

Plástico Bolha

Hoje tive uma ótima notícia que alegrou o fim do meu dia.

Há um jornal chamado "Plástico Bolha"; bem produzido, por estudantes de letras e com ótimo conteúdo e uma tiragem respeitável(10.000 exemplares). Contos e poemas, crônicas e editoriais bem interessantes saem regularmente no jornal...

Enviei um conto para os caras, achei que eles não iriam publicar... até por que há uma comissão editorial que define o que entra ou não... há uma votação... mas publicaram!

Um conto chamado curriculum vitae, se eu achar aqui eu linko.

Abraços.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Parábolas

Eu me contento com pouco.

Mas quando vejo as linhas que sobem ao infinito, sempre me pergunto por que diabos fui nascer parábola.

Início, meio e fim.

Sou uma fórmula de redação de vestibular; mas pelo menos, sei de que costura foram fiadas as teias da minha vida.

Tudo o que começa sempre acaba, dizem os filósofos de esquina.

E eu tenho a incrível mania de recomeçar, de recomeçar todos os dias.

Mas eu nem comecei a sentir o gosto, e já vejo e percebo o horizonte que se acaba. Acaba não por mim, pois se o mundo dependesse da minha vontade, algumas montanhas já teriam sido movidas e muitos palácios ruiriam e decerto minha solidão se converteria em uma boa e oportuna companhia.

Viva o momento, intensamente o momento dizem outros. Mas de sensação efêmera o mundo já está saturado, eu quero um pouco de permanência para afastar a presente impermanência da minha vida.

Quero uma história com um fio condutor. Eu quero um momento de felicidades sem dias contados para terminar.

Eu quero permanência... e um pouco de sorte, e isto não é pedir muito. E eu nunca peço muito do mundo.

Acabei desconfiando, ou exigindo, talvez para me enganar do meu destino jocoso que o permanente é o efêmero fossilizado, mortificado. E que a impermanência que me cerca pode ser saudável. Talvez.

Adoro me enganar.

E eu recomeço... Recomeço e me ponho a caminhar, impermanente como uma cena de metrô, todos os dias.