sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Este texto pode conter cenas não recomendadas a adultos

Coca sem gelo. E ele não bebe refrigerante.

Nem gastrite, nem tensão, apenas luxúria.

O tédio tomou conta do cômodo. Adorava quando isto lhe acontecia. Pedras de gelo tintilavam no copo, os maços de cigarro se esvaziavam e ele costumava fazer o que sempre fazia quando o tédio lhe consumia: chamava o absurdo para uma conversa.

Pior do que a dor era a monotonia sem causa. A entediante rotina que lhe incomodava sem realmente significar necessáriamente um pedaço de coisa relevante.

E cada desgraçado que cuspa na sua desgraça!!!

A cerveja fazia mais sentido do que o livro, do que a condução, do que o metrô lotado, do que as frases jargões de quem acha que sabe mais de você do que você mesmo.

O cotidiano era uma pura perda de tempo.

Olhe para a raiva nos meus dentes, e falava batendo na cara com força, falava estapeando-se, em frente ao espelho enquanto algum filho da puta sincero, hipócrita, mas sincero em sua mediocridade, podia fugir dos abismos, fugir o tempo que lhe fosse preciso.

Era o preço da ignorância. O ignorante foge dos abismos. O idiota os procura.

Olhe para mim seu filho da puta. Olhe nos meus olhos e diga com a certeza entre seus culhões que você é a escolha perfeita de deus. Besteira! Merda tendenciosa...

E sabia, mesmo baixando o volume de voz, enquanto a respiração arfava, e a terceira ou quarta sinfonia emoldurava o mais-do-mesmo.... que enquanto os cacos do espelho caíam no chão de azulejo daquele banheiro medíocre, daquele banheiro imundo, imundo como a alma do mundo hipócrita defendido nas sextas-feiras felizes, um novo mundo, um mundo renascido da sujeira criava um novo ser humano.

Um desestruturado.

Arfava e sentia os pulmões congelarem. E sempre neste momento, os hipócritas, os demagogos, os ignorantes, os cafetões emocionais e as putas afetivas de final de semana se reuníam com os dedos apontados.

Ninguém disse que seria fácil desagregar-se de si mesmo no meio do trajeto da vida...

Nenhum filho da puta explicou que o preço a se pagar seria este: cacos de espelho no chão, respiração pesada, pulmões congelados...

Nenhum imbecil demonstrou que esse plano não daria certo. Que esta merda iria fundir no meio do caminho! Porque não compraram outro motor?!

Ninguém disse que a cerveja esquentaria, que o mundo viraria uma repetição, que ele teria de escrever tudo antes que alguém o negasse.

Ele não se arrependia, mas podiam ter enviado o manual de instruções junto com a coca-cola sem gelo. Pelo menos não teria gastrite, pelo menos não escutaria som de Manchester, pelo menos não perderia o tempo explicando-se a infelizes que o sentido era uma criação humana.

Comprar um sentido para vida era muito fácil.

Mas este filho da puta desequilibrado não comprava sentidos na vida. Não tinha obrigações com os fúteis, com os medíocres, com os recalcados e com nenhuma pseudo-mitologia de final de semana.

Ninguém explicou que que de Getúlio a Castelo havia apenas meia dúzia de lápides. Ninguém disse que até a raiva passa. Até a música acaba. Até a adrenalina se bebe com aquela coca-cola aguada.

E era só um dia de semana ruim, que ele transformou em algo melodramático. Tedioso e melodramático.

Ofensivo, ruim.

Coisa de gente desequilibrada.

Coisa de gente que adora comer absurdos. E o absurdo de vez em quando aparece, algumas vezes sorridente, magro de sentido e fútil.

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