quarta-feira, 30 de julho de 2008

Impermanente

Retorno simples, ponho-me a disposição da angústia, caminho entrecortado, cindido como um asfalto quebradiço, juntando cacos de lembrança, de saudade, de esperança: sou um passado vazio.

Estou agora, como é raro estar. Estou em um momento curto; uma reflexão, um surto, mas seria demasiado inverídico afirmar minha total permanência. Na verdade sou. Sou o tempo todo, não tenho forças para estar, sou pois não estou, pois estar depreende uma estabilidade que não me pertence, estar necessita ligação, empatia, vigorosos laços com o presente, fato que me é estranho, enérgicamente estranho.

Eu sou, sou e portanto atravesso, não me prendo no momento, no presente, não olho para o futuro; eternamente preso no passado, na experiência do outrém, no factual cuja lembrança é mero vestígio.

Meu presente é um jazigo do passado. Meu passado é vida, vida pretérita, entrecortada, cindida, quebradiça.

Eu sou. Sou um sincero e arruinado vestígio.

domingo, 27 de julho de 2008

Retornando

O pós-férias sempre é meio trágico. Estaca zero.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Agora

Não gosto de escrever de luz acesa. Não gosto de beber cerveja quente, muito menos de pegar chuva no inverno. Não gosto de sentir sede no calor, e não gosto de não saber, quantas vírgulas, devo, usar.

Não gosto de cd arranhado, gripe sem beijo, impressora sem tinta.

Não gosto de piada sem riso, poeta sem papel, e muito menos briga sem herói, sem heroína.

Não gosto de supermercado com fila, de banco com juros, de mundo assim, assim meio errado.

Não gosto. E quando não gosto, desgosto mesmo.

Não gosto de espelho sem eu, de egocentrismo sem espelho, de nós sem "vamos", de você sem eu, de você sem nós; de desgosto antes de conhecer.

Gosto do estrago, do negado, da vírgula sem verbo, de sujeito sem gramática, sem vergonha, gosto da verdade sem gripes, sem beijos, sem tinta.

Eu gosto mesmo é das vírgulas.

Noites

Costura
E fecha minha boca

No leito fosco
Sobre meu peito
Jaz o de repente

Corta, ajeita
Prova e reprova
Adocica a face oculta

Faz de mim um acaso
Acaso pensado.

Sou teu
Ainda não
Nem tão teu

E ainda mesmo...
Mesmo morto
Meio vivo, meio morto

Planto segredos
Segredos bobos
Na tua boca
Tua boca
Boca inerte

terça-feira, 8 de julho de 2008

Odeie a contra-cultura

Resolvi falar tudo. Não porque merecesse, mas porque alguém, algum dia, tem de fazer o serviço sujo. E falar tudo é fazer o serviço sujo com gosto. É se expor, de luzes acesas, de janela e porta aberta, com um pouco de miséria escondida no canto do quarto e da memória. Dê a cara a tapa, não me siga. Se preciso de uma ou duas cervejas isto é coisa minha, algum reminiscência bukowiskiniana que me afeta em dias de semana e interlúdios de cinismo. Se preciso ressuscitar uma derrota particular, este é meu modo de incitar uma parte de mim a agir.

Falar tudo é abandonar máscaras, é cuspir na cara de si próprio o veneno alheio, é sorrir entre as tragédias com os lábios cortados, e além de tudo é buscar no fundo do espírito uma energia obscura, um lado rejeitado; abortado com gosto de sangue no tempero das etiquetas, enterrado dia após dia, day by day, pela rotina social, merda de rotina social, pela rotina anti-social, merda de rotina anti-social, day by day.

Cansei de igrejas. A contra-cultura estúpida, que como o próprio nome já diz, tentou ser sombra e acabou virando luz, uma luz que cega, uma nova religião inerte, com seus santos, suas rezas, seus dogmas, sua pútrida hierarquia, escondida entre alargadores, padrões morais do século XVI e jaquetas de arrebite retórico, promoveu uma caça às bruxas, promoveu uma verdadeira inquisição disfarçada de liberdade.

Odeiem-me nesta parte. O ódio é uma doce projeção, que revela-se no incômodo, maldito incômodo que revela não quem é alvo do ódio, mas quem odeia. Revela e descortina, que a cada movimento de oposição, enterramos um lado obscuro, que de início não reage, mas planta sementes de contradição dentro de nós e se alimenta do outro.

Contra-cultura pérfida, alimenta anjos sagrados, perfeitos, perfeitos, como a curvatura da última tela de Dali, perfeitas como um apartamento decorado em alguma cobertura do aterro do Flamengo. Como crise de consciência vagam e entoam cânticos pseudo-populares, como se isto aplacasse a imensa culpa cristã que sentem por não terem nascido no lado certo. Filhos da classe média, inertes, repletos de brinquedos e possibilidades plásticas, ainda estupidificam o que poderia ser igual, despedaçam a horizontalidade e carregam cruzes, cruzes resplandecentes, símbolos dos despojos dos vencedores.

Plástica cultura. Americanos, ameríndios, norte-americanos travestidos de cidadãos sem pátria!!!

Vigiam e punem comportamentos desviantes. Reproduzem técnicas de disciplinarização; cagam Foucault, mas arrotam e exalam Felipe II. Nichos de mercado, de consumo. Pois idéias são mero consumo.

Não há muito mais a dizer, olhem para si mesmos. Na ordem do discurso, abandonei a importância do autor; o que importa é a idéia. Se eu for julgado como autor, queimem meus textos em praça pública ao lado do terceiro reich.

Prefiro entoar idéias. É um anônimo que vos escreve.

domingo, 6 de julho de 2008

Erótico demais

E quando eu bebi vodka pela primeira vez, senti o mesmo gosto amargo que senti, quando tua boca deglutiu minha alma.

Eu não procurei, definitivamente não procurei, razões para que você no alto de sua prepotência pudesse me dizer aquelas palavras duras.

Mas eu disse, e você confirmou, que se eu ainda pudesse sentir dor, aquele seria um dia realmente especial. E você comentou, decerto com mais propriedade, que eu nunca mais me esqueceria daquela data.

Confortei-me com o nada, embalava o absurdo diante de seus olhos, você não dormia, mas não estava própriamente acordada, apesar do quê, eu sabia, íntimamente sabia, que você espiava cada ação. Cada beijo meu, era marcado, medido, pesado, sentido, sem a necessidade de uma resposta.

A resposta era nosso silêncio.

Eu provocava teu corpo na cama e você dizia, erótico. Eu mordia teu lábio, você se contorcia; nos julgávamos depravados...

Eu provocava na rua, no banco, com a carta ou pelo telefone e você dizia, erótico demais. Demais.

Dizia sem dizer, sem saber, sem pensar realmente qual palavra escolher, por que palavras não são a exata descrição da realidade. São só palavras. E normalmente já muito apodrecidas pela história.

Você descrevia-me com os olhos. Conversávamos com o olhar e os horizontes de expectativas envoltos nas mesmas trevas, no mesmo absurdo. Quando seus olhos mudaram, quando seus cabelos ficaram mais curtos; eu resolvi que não tinha muito tempo, que as coisas caminhavam rápido demais. E era hora de andar sem rumo.

Eu escrevi cinco ou seis cartas, mas eu logo me enjoava, por que eu não conseguia mais agarrar a veracidade dos teus olhos. Teu corpo falava e clamava perdão, mas o destino tinha suas próprias dinâmicas.

Eu retornei ao velho banco de praça, mas ele já tinha mudado. As cartas pareciam iguais, por que eu conseguia resgatar o passado, e tinha a extrema capacidade de resgatar toda a emoção.

Boa memória emocional, péssima escolha de vida...

E eu então resolvi aguardar. Talvez o tempo pudesse resolver(meu) nosso impasse.

Duendes

Pronta para despertar
E irromper
Sobre a concretude
Da primeira oportunidade

Eis a fada dos campos
Dos lírios
Dos sonhos
Das noites mal dormidas

Já desfraldada e exibida
Ainda se atreve

E contamina
Beijos ao acaso
Com futuros possíveis

Anima; meu presente
Retoma meu passado
Enterra meu presente

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Os Sonhos de Rafael

Não chovia, não estava muito frio e nem mesmo havia uma grande tragédia a se alimentar. Retomou velhas proposições e a reflexão tímida que iniciou há semanas provocara um acontecimento curioso que despertara em si próprio quase uma epifania: começou a ter flashes oníricos.

O que significava?

Que a partir de certo momento, começara, e tal coisa lhe acontecia esporádicamente em um número de vezes incerto ao dia ou na semana, a lembrar de fragmentos de sonhos antigos, muito antigos.

Inicialmente eram flashes. Lembrava de paisagens, cenários, como a fotografia de um filme.

Com o passar dos dias, profissionalizou-se e já podia recordar de pequenos trechos, mas faltava a textura, o sonhos permaneciam nublados. Não conseguia apenas obter relação entre a lembrança e o dispositivo que a provocou: pois bem, podia ser provável que os flashes não se incluíam num mecanismo de causa e efeito, mas continuava a ser um acontecimento paradoxal que clamava sentido.

Precisava ir mais fundo, anotar seus sonhos era um propósito nobre, uma aventura instigante: a escrita registraria, poderia retomá-la como à um catálogo e a cada flash súbito conjecturaria a partir destas minuciosas descrições de seus sonhos, o que o sonho lhe dizia. Anotaria dados, cores, horário, datas, acontecimentos relacionados, e teria em mãos o seu próprio dicionário onírico.

Poderia compreender e estabelecer relações entre seus aparecimentos e a realidade que os correlacionavam... Pensou em fazer isto na quinta, depois de um esbarrão provocado por um flash, um pequeno incômodo casual, que não iria se repetir.

Aprofundadas as visões, os trechos iam afluindo considerávelmente, quanto mais vívidos e longos, mais heterogêneos e antigos os sonhos eram...

Aprofundavam-se e ele sentia que algo emergia, algo de novo. Mas nem sempre a mudança é cousa boa. Vivia mudanças de humor, de personalidade e até de valores que se faziam sentir mais fortes e independentes desde que o processo se iniciara há nove semanas.

Olhava para as estrelas há noite, bem antes de dormir, estrelas que não mais existiam segundo a ciência, pois só lhes restava a luz que cá nos chega e para elas só lhes resta quem cá lhes olha.

Contudo, assim como seus sonhos que também não existiam, sonhos que já foram mas que são acontecidos, eram acontecidos que viviam! Acontecidos que retorcem e lhe impõe a existência, opondo a presença do presente ao passado!

Olhou para as estrelas e elas estavam lá! Olhava para seus sonhos, nítidos cada vez mais nítidos, pedaços viravam trechos, que viravam histórias... que viravam realidade...

Os sonhos aumentaram. De intensidade, cor e emoção! E aí fora um passo, para irromperem os pesadelos, e já não conseguia mais caminhar na rua. Todos os sonhos que ele achava mortos ou esquecidos ressuscitaram, um por noite de vida, um por noite de sonho, e aí não conseguia mais andar, pensar, comer, viver... Os sonhos outrora "esquecidos" pesavam-lhe as costas.

A realidade eram seus sonhos, seus sonhos agora eram a realidade, não conseguia mais mover seus músculos, caminhar, pensar, raciocinar, enxergar. Definhou...

E por fim sonhou que lhe faltavam os pulmões. E não conseguiu mais respirar.

Rafael morreu assassinado pelos seus sonhos.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Não se fazem mais decepções como antigamente

De todas as decepções
Foste a mais deliciosa

Quando recordo as outras
E outras decepções...

Ou quando sofro
Uma nova

Lembro-me da tua
Da tua decepção...

Invencível, atrevida...
Dolorosa

E com meus olhos mal umedecidos
Penso cá com minhas sombras...

Mais dor do que isto
É mito!