quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Vida quase normal

Cachorro
Emprego
Contas a pagar

Lúcio um dia, chegava lá

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Lugares mal iluminados



Quando não percebemos e somente neste ponto específico, somos promovidos à função de carrasco, ou herói.

Heróis andam escassos, mas os carrascos vendem-se pelo atacado.

Inconscientes do destino oculto da vida, promovemos chacinas afetivas em cada esquina, cortamos corações e destruímos afetos trocando de roupa.

É o motor.

Anatole assim acreditava. Um tolo, que crê num destino oculto da vida, acredita e professa em fé, uma razão secreta da história e da vida; credita a um plano lógico uma emersão de fatos que só a posteridade lhe parece reconhecer os feitos.

Mas para Vasilli, e Vasilli costumava dizer isso sempre após acender um cigarro ou tomar um gole de cerveja sincera, aquilo tudo era metafísica barata. Era merda metafísica. Cristianismo invertido em ciência. E que ele tinha de recomeçar a pensar.

Apesar de ateu Anatole, és um metafísico incurável! Dormes com deus todas as noites! Teu otimismo, podre otimismo de salão, esconde esta metafísica tão bem aconchegada na tua frase padrão.

E para Vasilli, mero entregador de frases de efeito, que bem escondia um rancor deplorável pelas porcas de barro que guardavam dinheiro, afeto ou idéias, pelos mujahedins do cinismo e também costumava detestar a si mesmo, sempre que lhe recaíam sob os ombros a função de carrasco , viver é fazer a si mesmo na experiência.

Segundo Anatole, Vasilli, era um bêbado empirista, que desfocaria metade do mundo se a outra parte dele afirmasse que quem desfoca a realidade é o alcoólatra. Vasilli aos olhos de Anatole era um mero solipsista à procura de uma âncora afetiva que pudesse dar lastro aos seus sonhos estúpidos.

Os peixes do aquário de Vasilli não nadavam enquanto ele dormia, costumava dizer Anatole.

E ainda assim, apesar das diferenças, os dois se encontravam num boteco de final de semana para beber, conversar e saber em que função os dois se encontravam no momento.

O carrasco é o auto-alienado de seu livre-arbítrio, de sua potência, dizia Vasilli. Quem assume seus atos, quem age não pela metade, mas se entrega inteiro até quando está apartado ou cortado ao meio, este sim, nunca será carrasco. O carrasco é o que finge dizer que há uma força oculta que lhe move, e que seja a história, o inconsciente ou o que quer que seja. O carrasco é um homem de má fé. É um homem que entrega a outrém, mesmo abstrato, deus, psicanálise ou metafísica, os meandros de sua própria vontade.

Anatole, costumava receber essas afirmações de Vasilli, com um misto de irritação e de espanto.

Como um homem vive sem suas forças externas? Como algum ser humano pode embalar todo o mundo e tornar a realidade uma massa compactada que repousa sob seus ombros?

Quem é cristão por final é você Vasilli. És um cristão que troca a cruz pela tuas ações. O mundo repousa sob teus ossos e sinto que tua noção de carrasco está equivocada.

Para Anatole, as coisas ruins, serviam sempre para revelar um futuro bom. E quando não revelavam um futuro bom, apenas eram necessárias para que outras coisas ainda mais ruins não acontecessem. Um acidente de carro, uma chacina, ou um fora de final de semana não eram em si ruins. O bom ou ruim só se revelavam na ação a posteriori. E o fato posterior sempre era bom , pois se reconfortava na unidade da vida e encontrava o pagamento de seus pecados na linearidade do tempo.

Para Anatole, sempre havia um acontecimento futuro, necessáriamente bom e que encontra sua bondade no acontecimento passado, que revelava a necessidade de qualquer tempo presente ruim. Quando ainda nada havia de bom no futuro, ele acendia o cachimbo, olhava para o horizonte e dizia que era o plano secreto se manifestando. Era melhor não perguntarmos o que a lógica ou o espírito do tempo nos quis exatamente dizer.

O ruim dizia Anatole, fora ruim, é verdade, talvez até desprezível, como aquela viagem decepcionante e todo o grande afeto desperdiçado nos restaurantes de estrada, mas se aconteceu assim, aconteceu pois que algo ainda pior estaria destinado ao período presente. O plano secreto fez justiça. Falava e retomava o assunto, repetia muitas frases para se fazer entendido e então, recomeçava a tragar, como um profeta falhado - não sem antes acender o cachimbo com ervas aromáticas sabor primavera.

O carrasco de Anatole era sempre o passado do herói. Todo herói tem um quê de carrasco pretérito - dizia.

Para Vasilli, o carrasco e o herói eram em suma a mesma pessoa ou a mesma coisa. Não havia uma sucessão temporal, mas sim um dispositivo dialógico entre esses dois pólos aparentemente opostos, mas que se complementavam, alternavam-se, como um bailé ou um jogo de espelhos dentro do Theatro Municipal.

Ambos, Vasilli e Anatole digladiavam-se, esgrimavam-se enfrentando na verdade a si mesmos. Não eram filosóficamente inertes, pois costumavam questionar e trazer à tona seus arrependimentos, cada um à sua maneira...

E quando jaziam inertes em paradoxos irresolvíveis, perguntavam-se quais das posições estavam assumindo. Heróis? Ou Carrascos?

Havia uma linha muito tênue, temporal ou empírica, era uma linha minúscula que dividia tais concepções.

No final Anatole e Vasilli costumavam aceitar o fato de que eram todos vítimas e algozes enfileirados em torno das pobres experiências. Cansados, exaustos pela cerveja, pela rotina que impunha-se menos filosófica ou apenas pelo fato de não mais suportarem se digladiar, acabavam assumindo uma pobreza de experiências, estas que descortinam o tempo, as decepções e por fim os lugares mal iluminados.

sábado, 18 de outubro de 2008

Entre uma origem e um desejo

Não é o que parece
Pois se parecesse
Seria coisa do coração
E o coração

O coração só mente

Não é tão ruim
Ruim quanto transparece
Nem tão inédito

Pois se inédito fosse
O coração alquebrado
Diria que é mentira
Pois sim, seria mentira

Se o vidro quebrado
E o grito no escuro
Fizessem um silêncio arrastado

Parte dos muros, dos finais de semana
E dos corações
Assemelhariam-se à coisa qualquer
A algo já meio despedaçado

Estou entre uma origem e um desejo!
Sou um muro de final de semana
Sou tão ruim quanto posso transparecer

Sou um silêncio arrastado
Arrastado e se assemelhando a uma mentira
Não sou o que pareço
Pois o coração

O coração! Só mente!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Aviso ao leitor

Escreve
Escreve como eu
Mas não te compara a mim

Sacrilégio seria
Se tu, em tua infinita
E infinita percepção
De mundo e de ti mesmo
Se comparasse a outrém

Um qualquer medíocre
Que só enxerga como si
O mundo ao seu redor
Por isso
Caro leitor

Nunca
Ouça-me bem
Jamais
Te compara a mim
Ou outro outrém

Ao ser tu
Digno de si mesmo
Deixa-me encantado
E me ensina aprendendo
À ser tu

Nas tuas angústias
Só tuas

Onde cada tortuosidade
E cada autor
Sempre precisarão
De outro outrém
De outro
Não tão próximo

E que
Por se afastarem tanto...
Acabam se encontrando
No recôncavo macio
Da dor

E por isto
Se merecem
E se lêem...
Uns aos outros!

Desesperança impele a ação

Fazer algo diferente é difícil.

Tente recondicionar um rato de laboratório. É como Vasilli sentia-se ao sair, ao entrar, ao sair novamente do metrô, da fila da comida, das noites com muita vodka, médias angústias e pouca imaginação.

Olhava-se no espelho e não se encontrava. Ainda restava esta incógnita, ávida por situações limites, pois sim, pois bem, é fácil prever o comportamento de um ou dois ratos, caminhando sinuosamente por labirintos de silício ou concreto, pois bem...

A dificuldade, e toda dificuldade humana obrigatóriamente caminha junto com uma reconstrução radical de si mesmo, está em prever algo que não tem uma estrutura definida, uma base sólida, um "vir a ser" contido em uma trajetória bem definida, o vetor colégio-faculdade-filhos-família-fim-de-festa.

Não ter uma estrutura definida, ou bem melhor, não ter nenhuma estrutura, requer culhões ou atrevendo-me a heterofobia, um útero que acalenta um ódio constante de si mesmo e que obriga sem condições a exterminar-se todos os dias. Quem recomeça pode usar o ódio como metáfora, apesar de saber que não é ódio o que se sente, mas necessidade imperativa de fragmentar-se. O esporte é catar cacos. Juntá-los. E recomeçar. É o eterno retorno. Como o mito de Sísifo, como só Nietzsche e Camus compreenderam.

Pois a vida, a vida dos desajustados, é um devir, uma passagem, onde o objetivo não é chegar nas estações, não... isto é coisa de gente equilibrada, gente que olha para trás com uma nostalgia cheirando a hambúrger de gordura na chapa, vestindo um emprego classe-média de quatorze horas por dia.

Gente torta gosta de andar na corda bamba, de mover-se entre o circo e o abismo. De renovar uma desesperança nas esquinas da vida. Porque ao contrário do conhecimento enciclopédico do colégio de fim de semana, a desesperança é uma face do problema, a desesperança move, impele Vasilli a ação. A desesperança tem de dar tesão de explodir convenções e laboratórios, senão é covardia.

O absurdo do mundo, do sujeito, da identidade assassinada pela má convenção, obriga e impele ao assassínio das heteronomias.

A reconstrução radical do sujeito, impele o convívio brutal e nem sempre harmônico da esperança e da desesperança, do amargo, do suave, do contraditório, da policausalidade.

Continuo na função de espelho. Olha e detesta-me quem quer.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Despido dos censores

Quando tinha uma má idéia, costumava andar sem rumo pelo centro da cidade ou evocando um espírito indômato já derrotado, sentava na janela e observava a lua, as nuvens ou algo que se se assemelhava ao seu céu.

Não obstante acabava cansando; cansava-se por que insistia em inserir um outro inexistente naqueles momentos que eram só e tão particularmente seus.

Inseria esta presença invisível, este olhar oculto que fazia-o sentir-se patéticamente superficial.

E não era deus, pois seu ateísmo não-praticante apesar de disperso, não lhe permitia transformar seu ego humano em pura metafísica.

Vez ou outra, aqueles momentos acabavam assim, vencidos por este persecutor invisível.

Um carrasco que só existia nos meandros da sua mente, mas que concretamente sabia agir como um bom censor: condenava o que outrora era profundo à mera e pobre superficialidade.

Transformava um ato de fé em frivolidade, um exercício de introspecção em coisa rasa, uma dor profunda, em mero capricho, de gente que não tem nem o direito nem os motivos certos para sofrer.

A dor só era mais vítrea e a angústia mais honesta, quando o outro morria sem lutar, quando a presença invisível evitava confronto e o censor jazia morto sob uma lágrima sem motivo aparente, mas completamente honesta.

Era aí, e somente aí, que podia começar a escrever, sonhar ou amar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Mal-ajambrado

No meu ímpeto misericordioso, tento transformar minhas angústias em angústias coletivas, apesar de saber que não há nada mais precioso e meu, do que as minhas e só minhas angústias.

Quando exponho minhas entranhas em público, seja num gole de cerveja, num sorriso mal-ajambrado ou num texto escrito em papel de guardanapo de final de semana, eu sei, sim, eu sei que exponho não só minhas vergonhas, mas as vergonhas de outrém.

Quando me lêem, sei que não só me lêem ou me exumam diante do mundo; sei, e tenho a certeza a cada letra cuidadosamente cunhada, que estão a se destrincharem diante da ribalta de silício, estão a se esquartejarem comigo, este autor, torto e pobre autor...

Quando me despedaço e me olho como os de fora verdadeiramente me olham, sei que dou a oportunidade para que façam por conseguinte o mesmo, pois a sombra e o defeito do outro, é sempre do outro, até que o fato seja verdade. Por que nem todo fato é verdade e nem toda verdade é fato até que encontre-a verdadeiramente assim, posta de lado.

A face que oculto de mim é sempre mais clara ao desterro do amigo, ao ódio sem condição, a paixão imigrante e recorrente; e ao afoito ouvinte ou faminto leitor.

Na verdade e devemos falar a verdade sempre que ela se apresentar mais estética, falo como um autor comum, comum como as mais comuns das criaturas: as do ponto de ônibus.

O texto, este pedaço de coisa parida, tem a envergadura de um zé comum e o conteúdo que é do tamanho do infinito ou da mediocridade de quem me lê.

Sou um caco de espelho mal-ajambrado, só reflito o quê e quem me olha.