sábado, 7 de julho de 2007

Meu primeiro dia de férias

Férias combinam com descanso, contrariando assertivas o emprego porção simples descartável que eu arrumei moía meus ossos, carne e espírito nem tanto, pois eu precisava realmente me alienar sabe. Apertar alguns botões. E nada melhor do que um emprego temporário ruim para realizar tal tarefa, afinal de alienação o capitalismo supera quaisquer concorrentes.

Sarcasmos e ironias a parte, nem meu fracasso homérico no curso de alemão, nem meu encontro com minha afta, diga-se de passagem cada vez menos inflamada, conseguiram destruir meu humor naquele dia. E foi fácil discutir os sete ensaios da realidade peruana sob sete cervejas da confraternização dos meus sete, desculpe não rimou, mas eram un 20 ou 21 amigos de classe proto-historiadores.

A caminhada até a Lapa rendeu algumas belas visões do Rio antigo, as escadinhas, os azulejos, as cores do marginal, do contrário, me rendiam boas intuições. Aliás, segundo o teste do "Cognitive Process" sou um intuitivo extrovertido com 42,9 % de desenvolvimento destas capacidades, o que segundo este, consigo deslocar a dinâmica de uma situação e explorar possibilidades potencialmente imaginativas. Sim, o "Cognitive Process" está correto. All right. Sehr Gut. Eu exploro demais estas situações por que são estas que me trazem algum significado que me fazem aturar boa parte do mundo cinza que criaram para mim, para nós, sem nos consultar se permitíamos tal ofensa aos instintos e desejos livres da vida.

Atravessei a Lapa até a praça Tiradentes, como de costume, costurando a rua da Carioca e amaldiçoando a estátua de D. Pedro II. Tão imponente e ridículo ao mesmo tempo. Meu ônibus aguardava-me no ponto, e como de costume, pensei com a coragem etílica e a subversão natural que me embalava o retorno para casa, naturalmente não pagar a passagem, viva a desobediência civil, pequenos atos; a oportunidade surgiu com um senhor que entrara pela porta de trás e eu furtivamente o acompanhei.

O motorista no entanto percebeu tal artimanha, e perguntou ao senhor se eu era seu acompanhante(afinal acompanhantes de pessoas idosas, deficientes visuais ou portadores de necessidades visuais não pagam passagem), para minha surpresa ele afirmou que sim, e começamos a conversar.

Ele era cego, contei a ele que estava sem dinheiro(e realmente estava) e que por isso não podia pagar a passagem. Ele me pediu para eu descê-lo na passarela 9 da Av. brasil.

Na hora achei graça, graça talvez nem seja(e não é provávelmente) a palavra correta, mas piadas internas a parte, o 9 me persegue há alguns anos e nada mais natural que tudo aconteça de forma cabalística neste momento que eu me ordenei, de forma um tanto autoritária a invadir o desfiladeiro do inconsciente, retornar a origem, buscando não respostas, mas iniciando o caminho.

Folhear o Tao Te Ching religiosamente antes de dormir ou escutar Amnesiac do Radiohead para embalar o caminho dos sonhos pode parecer profusamente confuso, mas na realidade as coisas só se modificam quando há pó de estrelas tentando acender uma supernova de introspecção.

É perigoso ser tragado, como um buraco negro zombeteiro que nega as leis da física e dobra o espaço-emoção em cacos disformes de dúvida ou assombro, mas faz parte do processo se endividar emocionalmente, saber o que realmente acontece, onde está o yin e o yang, o que fazem, como se comportam e por que diabos a criatividade resolve nos abandonar.

No ônibus, o senhor continuava, eu escutava mais do que falava, e também, estupefato pelo impacto sincrônico e da impressão sensorial que eu estava tendo, não consegui articular nada mais do que cinco ou seis frases. Ele catava papelão. Era cego... Sobrevivia assim. Disse que se deus quiser ele conseguiria ficar bom da vista..."

Aquilo foi indescritível. O raciocínio se perdera assim como eu perdi parte do que planejei para este pseudo-conto por que as palavras como bem disse Nietzsche são uma "serpente"; e afinal, nunca representarão(ainda mais com minha inabilidade poética e gramatical) o que realmente sentimos, vivemos, tocamos.

Talvez não esteja com tanta criatividade assim. O fato é que o cansaço me obriga a terminar um conto que poderia ser muito melhor do que meras frases farfalhantes de efeito moral.

Mas o cego... O cego era eu número 09... Estava cego de luz. Não é preciso olhos para enxergar. Eu tenho os meus e ainda me sinto tão cego. Lição que a passarela 09 e o senhor que eu ajudei a descer no ponto jamais me negarão na lembrança. Não é preciso entender muito para iluminar-se ou falar muito para fazer entender.

Aqueles olhos esbranquiçados, e voz calma e pausada, foram suficiente para eu tomar um bom banho de pó de estrelas e sentir o gosto da vida outra vez.

E como diria Lao Tse: "Quem se ergue às alturas sem desejo, enche de silêncio o coração."

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