segunda-feira, 16 de julho de 2007

Mesa de Vidro


Fumou o último cigarro do maço. A carreira de pó estava sobre a mesa de vidro. Hoje ele não iria cheirar, estava sem dormir há 4 dias.

Luana e Serena se revezavam com o canudinho improvisado da nota de 10. Tentou apostar mentalmente se iriam se agarrar antes das três ou iriam morgar no sofá do corredor.

Já estiveram em dias melhores. Há dois anos atrás era possível cheirar com uma nota de 100.

Mas eram maus tempos aqueles.

Estava insuportávelmente quente. Talvez fosse por isso que não conseguira raciocinar sobre quantas cervejas sobraram no congelador; ou talvez fossem as anfetaminas, não importa, um bem apertado equilibraria a situação.

Já eram duas e cinqüenta e sete quando resolveu descer e pegar mais cervejas, o colchão estava rasgado, haviam três camisinhas, um papel onde lia-se "compra-se ouro" e quatro moedas de 1 real sobre a estante de mogno, o rádio estava ligado e tocava "Riders on The Storm" do The Doors, the killer on the road como planejara antecipadamente. Luana e Serena já se pegavam; ignorado, resolveu cheirar o pó que sobrara antes das cervejas, tropeçou nos tacos quebrados da sala e caiu dentro.

Dentro era uma boa oposição.

Tinha fermento barato na coca, podia sentir claramente, era fermento royal, com aquela embalagem que não muda com o tempo, imutável, detestável. Não apreciava o estático. Seu mundo não era seguro. Mas os viciados mudam, pensou antes de sorrir ao espelho retirando espinhas e alisando a barba não-feita.

Os viciados mudam.

Vidrado, viciado, lembra vidro, lembra mesa de vidro, lembra a última carreira de pó que ele esqueceu de cheirar. Com o canudinho da nota de 10.

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