quarta-feira, 30 de abril de 2008

A arte do desesquecer

Lembrar é fácil. Desesquecer é difícil. Antes que apontem o erro, devo diferenciar. Esquecer pode ser até mais conveniente, mas não funciona.

A arte do desesquecimento nunca foi passada para os ocidentais.

É por isso que todos esquecem. Esquecem e recalcam monstros, alimentam-os no recanto mais escuro de suas almas e inconscientes de sua presença, nos momentos de comoção nacional, quando matam uma menina a pedradas ou um garoto classe média executa a família a golpe de machadinhas e o pilar da falsa normalidade da sociedade parece ruir, conseguem então, por acaso das notícias e dos jornais ensaguentados enxergar o lado obscuro com maior nitidez.

No entanto, desapercebidos de suas próprias constituições psíquicas, o inferno passa a tomar conta do outro e não de si mesmo. Expiando o mal do outro, expia-se o próprio e assim a sociedade cristã e capitalista, termos que para Cristo pareceriam-lhe contraditórios, caso decidisse andar pelas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro ou nos guetos de Gaza, próximo a Hebron, fecha seu próprio ciclo e nega o que sempre existiu em si mesma.

Na verdade, a arte do desesquecimento era uma arte relativamente difundida; e diziam os antigos gritos, que todo ser humano conseguia desesquecer, o que significava, reduzir a um ponto abstrato uma memória concreta e significava literalmente "apagar" e não "esconder".

Há muitas teorias, e não me alongarei sobre nenhuma, mas o desaparecimento do desesquecer se deu segundo os relatos mais confiáveis que tive, em uma tarde de sol forte, num continente que já fora chamado de Australis incógnito pelos mais ambiciosos.

Quando a civilização e as forças reais da coroa britânica chegaram, o evenenamento de crianças e mulheres com Arsênio tornou-se comum e a caça de animais era um diversão secundária comparada a caça de seres humanos. As mulheres violadas e as aldeias queimadas, deram lugar ao sequestro de crianças e ao trabalho semi-servil. Era Deus chegando ao lugar, na presença da senhora majestade da Inglaterra. Contudo, um velho aborígene, o mais velho ancião da tribo, resolveu guardar o maior segredo daquele continente perdido num vaso de barro.

Enquanto um grupo de britânicos, fuzilava os homens e pisoteava as mulheres, o velho escondeu o desesquecimento, para que nenhum britânico revelasse aquela arte para o restante do globo...

E mesmo que todos tentassem esquecer aquelas atrocidades, elas ainda ficariam guardadas num lado escuro, dentro de todos nós.

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