Olhava para o ponto de ônibus com irritação. As pessoas se espremiam como peças certas de um quebra-cabeças mal feito, e quando o ônibus aproximava-se, havia um mover contínuo e frenético; quase uma explicação prática sobre a teoria do caos, algo como a aleatoriedade das partículas e das gotas de chuva que caíam sob os pará-brisas; Luciano comparava aquele ritual, a um embaralhar de cartas. Todas de um mesmo baralho.
A ansiedade percorria suas veias, sempre que o coletivo se aproximava, parecia no entanto que o tempo esticava, aumentando exponencialmente este seu sentimento agudo, a ponto do desejo intenso de ir embora, sair dali, fugir daquela fumaça, do ponto cheio, da urbe calorenta e do pouco espaço vital que tinha naquele momento, alimentar uma misantropia que em outros momentos de lucidez lhe seria extremamente condenável.
O sol escaldante agredia sua fronte, a fumaça negra dos coletivos, uma afronta aberta à gaia, a si próprio e aos que estavam ali, deixava claro a condição de classe a que fora submetido. Não era tão óbvio como parecia ser, Luciano, podia para alguns ser um mero produto da indigna ascensão social pequeno-burguesa, de classe C3 a C2(lera numa revista respeitada num consultório dentário, as novas e recentes classificações de classe, doze, segundo a renomada revista), fato irrisível que não assumia para si.
O terceiro coletivo, amarelo, cortando seus pensamentos e uma kombi que realizava transporte ilegal(ou seja, aquilo que o estado não ganha dinheiro - pensou) despertou uma satisfação momentânea: "quero fugir deste lugar".
Esbarrou em uma ou duas pessoas, mas não havia tempo para educação ou idealismos, a realidade e o ônibus amarelo - naquele momento um verdadeiro Hegel da filosofia, lhe impunham uma outra dinâmica. A subida no coletivo começou a lhe impigir outros desafios existenciais, dilemas filosóficos; deixar a srta. de vestido verde ultrapassar sua frente seria um ato de educação ou de comiserabilidade? Lembrou mais do "torna-te o que tu és" da aula de filosofia ocidental, e resolveu não promover nenhum sentimento de desigualdade, deixando a morena de olhos claros a ver coletivos(na verdade seu atual estado civil era o desinteresse - e isto teria de ficar claro após duas ou três olhadelas).
Rodou a catraca do ônibus, sentia-se meio homem, meio gado, posicionou-se no banco mais alto, mas no fundo estava na mesma posição, uma posição de classe.
O monstro de metal avançou, o cobrador visívelmente entediado, batia insistentemente a moeda em um dos ferros de alumínio da condução, sua expressão transpirava desistência acumulada e o tintilar emudeceu diante do motor agressivo do ônibus. O vazio do coletivo, começava a dar lugar a uma sequência de expressões corporais, gestos e fisionomias, que ocupavam espaços, clamavam o mínimo de dignidade conquanto não demonstrassem tão abertamente.
A quimera avançava, a paisagem retorcida, inundada de cimento e concreto, sufocava os pensamentos, alimentava a desilusão e disseminava um sentimento de desconfiança, um afastamento progressivo, que vez ou outra era vencido por uma atitude mais cordial, como o de pegar moedas caídas.
A velocidade aumentava, a paisagem também, a cada ponto, a cada parada, o moinho de metal engolia mais incautos: um bom almoço a serviço do capital. Cinco ou seis passageiros se acotovelavam num espaço que cabiam dois ou três, o barulho da catraca, da roleta ritmava a respiração do monstro motorizado moderno,(o trajeto ainda não tinha se fragmentado em "múltiplas" identidades a ponto de tornar-se tão pós-moderno) enquanto Luciano perdia-se em seus próprios e ocultos pensamentos, sua indignação por estar ali, espremido como todos os demais era tão nítida, quanto aquele trânsito incongruente.
Estava abafado.
Observou um caminhão de carga, preenchido por batatas, - No fundo, dentro desta lógica, é o que somos para eles(referia-se aos donos do poder, aos donos do capital): Meras batatas. Mercadorias.
Transitando frenéticamente em torno de um circuito construído, trabalho x bairro dormitório, bairro dormitório x trabalho, Luciano entristecia-se com o holocausto(como pseudo-poeta tinha a licença para promover apropriações) social que se avolumava, não conseguia manter a calma dos cínicos diante a miséria; a cada pedido de esmola, a cada notícia de jornal, a cada degradação calculada, Luciano enchia-se de indignação... Encher os pulmões de utopia era o que lhe restava, não aceitava ser conformado nas linhas de produção do capital. Jamais! Guerra ou morte!
Alinhar-se com o inimigo nunca! Iria até o último suspiro de força se for preciso!
É preciso saber a condição de classe! - gritou para todo o ônibus.
Como um imã, os olhares foram lançados até o fundo do ônibus, a viagem emudeceu. O arranque do motor descongelou a situação.
Por fim o trânsito de batatas, de pessoas prosseguiu em seu interminável objetivo, a fornalha do capital estava sedenta, era preciso alimentá-la com mais um coletivo repleto de desejos, mas se dependesse de Luciano e da rebeldia coletiva, que mesmo sufocada por entre os dentes, estava lá, no fundo dos olhos de cada passageiro, teria uma bela indigestão.
A ansiedade percorria suas veias, sempre que o coletivo se aproximava, parecia no entanto que o tempo esticava, aumentando exponencialmente este seu sentimento agudo, a ponto do desejo intenso de ir embora, sair dali, fugir daquela fumaça, do ponto cheio, da urbe calorenta e do pouco espaço vital que tinha naquele momento, alimentar uma misantropia que em outros momentos de lucidez lhe seria extremamente condenável.
O sol escaldante agredia sua fronte, a fumaça negra dos coletivos, uma afronta aberta à gaia, a si próprio e aos que estavam ali, deixava claro a condição de classe a que fora submetido. Não era tão óbvio como parecia ser, Luciano, podia para alguns ser um mero produto da indigna ascensão social pequeno-burguesa, de classe C3 a C2(lera numa revista respeitada num consultório dentário, as novas e recentes classificações de classe, doze, segundo a renomada revista), fato irrisível que não assumia para si.
O terceiro coletivo, amarelo, cortando seus pensamentos e uma kombi que realizava transporte ilegal(ou seja, aquilo que o estado não ganha dinheiro - pensou) despertou uma satisfação momentânea: "quero fugir deste lugar".
Esbarrou em uma ou duas pessoas, mas não havia tempo para educação ou idealismos, a realidade e o ônibus amarelo - naquele momento um verdadeiro Hegel da filosofia, lhe impunham uma outra dinâmica. A subida no coletivo começou a lhe impigir outros desafios existenciais, dilemas filosóficos; deixar a srta. de vestido verde ultrapassar sua frente seria um ato de educação ou de comiserabilidade? Lembrou mais do "torna-te o que tu és" da aula de filosofia ocidental, e resolveu não promover nenhum sentimento de desigualdade, deixando a morena de olhos claros a ver coletivos(na verdade seu atual estado civil era o desinteresse - e isto teria de ficar claro após duas ou três olhadelas).
Rodou a catraca do ônibus, sentia-se meio homem, meio gado, posicionou-se no banco mais alto, mas no fundo estava na mesma posição, uma posição de classe.
O monstro de metal avançou, o cobrador visívelmente entediado, batia insistentemente a moeda em um dos ferros de alumínio da condução, sua expressão transpirava desistência acumulada e o tintilar emudeceu diante do motor agressivo do ônibus. O vazio do coletivo, começava a dar lugar a uma sequência de expressões corporais, gestos e fisionomias, que ocupavam espaços, clamavam o mínimo de dignidade conquanto não demonstrassem tão abertamente.
A quimera avançava, a paisagem retorcida, inundada de cimento e concreto, sufocava os pensamentos, alimentava a desilusão e disseminava um sentimento de desconfiança, um afastamento progressivo, que vez ou outra era vencido por uma atitude mais cordial, como o de pegar moedas caídas.
A velocidade aumentava, a paisagem também, a cada ponto, a cada parada, o moinho de metal engolia mais incautos: um bom almoço a serviço do capital. Cinco ou seis passageiros se acotovelavam num espaço que cabiam dois ou três, o barulho da catraca, da roleta ritmava a respiração do monstro motorizado moderno,(o trajeto ainda não tinha se fragmentado em "múltiplas" identidades a ponto de tornar-se tão pós-moderno) enquanto Luciano perdia-se em seus próprios e ocultos pensamentos, sua indignação por estar ali, espremido como todos os demais era tão nítida, quanto aquele trânsito incongruente.
Estava abafado.
Observou um caminhão de carga, preenchido por batatas, - No fundo, dentro desta lógica, é o que somos para eles(referia-se aos donos do poder, aos donos do capital): Meras batatas. Mercadorias.
Transitando frenéticamente em torno de um circuito construído, trabalho x bairro dormitório, bairro dormitório x trabalho, Luciano entristecia-se com o holocausto(como pseudo-poeta tinha a licença para promover apropriações) social que se avolumava, não conseguia manter a calma dos cínicos diante a miséria; a cada pedido de esmola, a cada notícia de jornal, a cada degradação calculada, Luciano enchia-se de indignação... Encher os pulmões de utopia era o que lhe restava, não aceitava ser conformado nas linhas de produção do capital. Jamais! Guerra ou morte!
Alinhar-se com o inimigo nunca! Iria até o último suspiro de força se for preciso!
É preciso saber a condição de classe! - gritou para todo o ônibus.
Como um imã, os olhares foram lançados até o fundo do ônibus, a viagem emudeceu. O arranque do motor descongelou a situação.
Por fim o trânsito de batatas, de pessoas prosseguiu em seu interminável objetivo, a fornalha do capital estava sedenta, era preciso alimentá-la com mais um coletivo repleto de desejos, mas se dependesse de Luciano e da rebeldia coletiva, que mesmo sufocada por entre os dentes, estava lá, no fundo dos olhos de cada passageiro, teria uma bela indigestão.
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