terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Das pequenas vinganças


Está chovendo, eu encontro a garota oriental na esquina, e ela me leva até a casa dela, aquele bairro vazio, que exala cheiro de chuva dos paralelepípedos e repleto de casas pequenas, de casas antigas. As velhas vilas operárias, com seus portões curtos, atarracados, com sobras de ladrilhos decorando calçadas. O silêncio é total, e só se quebra com os respingos batendo nas telhas de amianto da rua.

O bairro é um bairro fantasma, eu entro na casa e percebo a cilada. Será que a garota armou pra mim?

Do quintal eu vejo um pqueno grupo do outro lado do rio, um rio não, um valão fundo, imprensado por grandes paredes de concreto e com a água lamacenta da chuva alterando seu cheiro e sua cor.

Sob uma árvore eles já me esperavam.

Pode ter sido coincidência, talvez ela não tenha armado uma pra mim. De qualquer forma agora já era. Eu reconheço o líder do grupo, é um sujeito desprezível, não é o mais forte dentre eles, mas definitivamente é o que sabe bater melhor. Tem um sujeito grande que também me amedronta, mas esses tipos idiotas caem no primeiro minuto de briga.

Eu não fujo, ela percebe a tensão e eu procuro uma arma branca para me defender, nos fundos da casa. A garota sabe que não há volta, ela iniciou o bailé, agora terá de assistir o espetáculo até o fim. O grandão como esperado, é o primeiro a se atrever ao embate, azar o dele, meu pedaço de cano de 30mm já está o aguardando com fome de justiça. Ele parte meio desajeitado, eu me lembro do Tao do Jet Kun Do, seja duro com o suave e suave com o duro, a mesa vira um obstáculo para o brutamontes, ele demora muito a pensar e eu o derrubo com uma sequência curta que não me faz nem começar a soar. Ele cai no valão, é o seu destino. Eles passam um por vez, o segundo não tem as mesmas chances, me acerta sem vontade e depois de uma joelhada nada elegante, resolve ir se esgueirar em direção ao canto do tanque de cimento da casa. O soco na face esquerda é quase como uma sequência de frustrações acumuladas que eu irrompo com energia.

O atrevido chega mais rápido do que pensei, este sabe bater. E durante vinte ou trinta segundos, o enfrentamento é equilibrado. A garota se afasta, e eu sei que a hora de acabar com aquilo é agora. Um chute que me dói algumas costelas mal dado; pois bem, é o preço da vitória, é o aceno dele sonhar com os peixes, boa viagem, mão esquerda firme, mão direita como alavanca, perna esquerda calçada e um apenas leve inclinar de forças corporais, o leva aonde eu queria: vai pro fundo do rio seu animal. Não há tempo pra saborear a vitória, isto não é um filme oriental. A única oriental já se encontra fora da casa e eu tenho de alcançá-la. Ela está com um guarda chuva.

Eu não sabia de nada ela diz. Fingirei que acredito, apesar de ver sinceridade na cor de seus olhos. Eu me despeço, e digo pra ela esperar em outro lugar. Os idiotas vão voltar.

Ela diz que nunca gostou mesmo daquela vila. Conservadora demais.

Eu falo que tenho que passar no apartamento. Tem gente me esperando lá.

A garota acena com a mão esquerda enquanto a chuva desce pelo bueiro semi-entupido. Não há muita troca de expressões, não há muito o que dizer, apenas que minhas costelas dóem e eu tenho de chegar ao apartamento para recuperar minha bolsa.

Um comentário:

R.R. disse...

Uma temática bem diferente do habitual. Mandou bem, meu amigo.