terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cabelos Rosas passeando na rua

Desceu do carro meio desajeitado, desceu com calma, apesar dos conselhos do taxista de que iria chover(e taxistas são excelentes meteorologistas) não se preocupou com possíveis chuvas repentinas.

A chave do apartamento estava no bolso esquerdo, mas ele não sabia; isto o fez revirar a mochila por duas vezes. Objetos parecem ganhar vida em determinados momentos. As nuvens estavam com matizes que variavam do preto ao cinza claro, havia um pouco de pressão sob a cabeça das pessoas que fugiam rápidamente, antecedendo o clima ruim.

Apesar da acidez das chuvas das grandes cidades ele não ligava para a chuva. Molhar-se naquela ocasião seria uma moldura perfeita para um quadro incompleto, que ele tinha pintado há exatos 13 meses. Desceu a rua, a loja árabe ainda estava aberta, o que indicava que ainda era cedo.

Cedo para o que, ele não sabia.

A menina de cabelos de pontas rosas passeava por entre a quarta esquina do boulervad de terceiro mundo do bairro decadente em que se metera. Próximo ao curso de inglês. Pessoas interessantes estão a léguas de distância de quaisquer aproximações. É quase uma lei da física; sem o Newton é claro.

Ela era bonita. Mas as pontadas no estômago não.

Estas o perseguiam; (estômago é um órgão e uma metáfora barata de escritores medíocres) era uma dor, uma agulhada rápida, um ímpeto fugaz que lembrava os sonhos da noite passada, que lembrava algum problema mal resolvido, uma configuração aberta, uma forma destoante.

Algo estava desajustadamente aprisionado numa caixinha em formato de coração.

Pronunciar desejo em espanhol é muito mais chique. Dezerrrro.

O Desejo batia no teto, um teto baixo, bem limitado, contorcendo-se. Era um mecanismo de defesa muito eficaz; punir o corpo/mente, jogar descargas de adrenalina, tudo fazia parte do plano secreto do tal destino.

Não era tão confortável e ele não sabia própriamente se teria de romper com aquilo à força. Era muito mais seguro permanecer naquele jogo limitado de impressões sociais vazias de sentido, fingir estar feliz para encher todos ao seu redor de confiança e satisfação, fingir estar triste para produzir respostas para si mesmo, fingir estar confiante para distribuir confiança ao mundo; deus! Que manipulador!

Passavam na rua; mãos dadas.

Joyce amava João, que não amava ninguém.

Joguinho engraçado.

E andam como um casal de apaixonados... A paixão é tudo, menos um roteiro de novela das oito, assim não funciona.

No outono as coisas vão melhorar. Além da falta de calor excessivo, esta estação propicia um contato maior com uma parte de si negada. Queimaduras de cigarro estão proibidas em 2008. Em 2020 e 2056 também.

Voltando ao bairro, a ruiva, digo, a de cabelos com pontas rosas, as eventuais obsessões, ao curso frustrado de espanhol(te quiero!), a viagem que ainda fará ao uruguai, ao neo-paganismo, ao ocaso, a sabotagem do inconsciente, enfim, toda esta luta inerte e aparentemente ineficaz contra uma depressão que como uma caixa d'água aguardando uma gota, como uma rachadura esperando um abalo sísmico, como uma bomba relógio aguardando um segundo, se esparrama e se intensifica mediante velhas novas impressões, sem que para isto necessáriamente conseguisse trazer de volta aqueles velhos rituais punitivos patéticos de gente mórbida que pensa dar sentido a vida no eu me odeio e quero morrer. Por favor. Cianureto não necessita de guardanapos.

Há problemas. Há grandes problemas. Grandes demais para ele sentir-se no direito de dobrar a esquina e encontrar a falsa ruiva de pontas de cabelos rosas. Falsa demais.

Estes mesmos grandes problemas, o impelem a desencontrar-se em plena crise de pânico, de correlação de forças, de muita coisa muito junta, muito separada.

Achou a chave, achou a fechadura. E não choveu no caminho. No terceiro degrau, no degrau três, aquele sujo de tinta guache, das crianças que brincam no prédio, ele subiu e a chuva caiu. Sem tinta, sem chuva, sem criatividade, ele só desejava um cantinho geográfico essencialmente/isoladamente feliz. Talvez seus desejos tornem-se realidade. É uma pena que estes tenham sua própria dinâmica. E que esta dinâmica diga novamente todos os dias: lute contra quem lhe aprisiona em caixinhas ao invés de fingir piedade.

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