sábado, 31 de janeiro de 2009

Por curiosidade

O excelente jornal literário "Plástico Bolha", publicou uma poesia bem antiga que eu enviei para apreciação ao referido jornal em seu blog. Confiram.

No jornal impresso de número 23, o "Plástico Bolha" aceitou a publicação do conto Curriculum Vitae, um dos meus primeiros e preferidos; você pode ler o conto aqui, ou baixar o jornal em formato PDF no mesmo site.

E na cidade maravilhosa, calor, chuva, pré-carnaval...

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Da humanidade que sobrava

Sobrava-me humanidade no meio das lutas do povo, das causas que eram justas por que se faziam justas, mesmo que não precisassem apelar à justiça.

Mas ainda assim, estava lá, no meio da gente, da multidão, caminhando por motivos justos, mas por dentro faltava-me um algo, que preenchido por aquele todo, justo, fazia-me menos indivíduo e me tornava mais multidão.

E continuava faltando alguma coisa; um toque nas mãos, um cafuné nos cabelos, uma doce troca de olhares que não calava nem quando os cães do estado resolviam atacar.

E assim, minhas pernas seguiam, dentro dos vagões do metrô, cujas páginas andavam junto com a vida e o trilho dos trens, e eu podia ver uma ou duas estrelas brilhantes no céu que se faziam convidadas na janela do meu quarto, justamente naquelas noites em que me sobrava justiça, mas faltava-me tudo.

E pensei, que não haviam multidões, bilhetes ou movimentos políticos suficientes para acabar com aquele injusto ruído.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Jogo de Armar: Da solidão cotidiana

atualizado em 29/01/2008

Havia aquele som, aquele som inaudível e incoerente, cujas vozes famintas, ampliavam-se, mas que completamente imperceptíveis para mim, me faziam sentir, e sentir era algo obscuro ou inédito demais, como em um estado de overdose sânscrita, assim espalhado pelo canto do ônibus ou quando num gesto brusco, sob uma folha largada, cujo desespero secreto e particular impelia ao silêncio, apenas buscava no outro a sua própria imagem.

E assim, demasiadamente empático e largado pelo mundo e o mundo era justamente uma instituição, um aglomerado de gente sem sentido, gente nos ônibus com seus próprios e distintos propósitos e que se definiam por si mesmos; este mundo largado, de gente e de propósitos largados, costumava mover-se, segundo definições ocultas e inexpressivas, peças no tabuleiro misterioso.

Consciosamente a vida cotidiana reproduzia o fato que era mais psicológica do que própriamente metafísica: deus existia; e sempre com ironia.

Desconectado, o meu amor, aquele que nunca nascia de manhã, durante o beijo calado, mas que irrompia sozinho, largado no canto do quarto, entre quatro ou seis latas de cerveja, nascendo sob sua motivação, e que encontrava apenas a mim...

E eu transformava-me sem mudar definitivamente nada. Eu modificava-me, e apenas encontrava um amor sem par, uma paixão sem destinatário, uma flor cujo terreno argiloso, produzia um belo espécime temporal.

Eu amava sozinho.

No ritual medíocre do si-mesmo e cujo soluço permitia uma reflexão, desejava, desejava, com todas as forças que apenas dois sentimentos pudessem apoderar-me do "si próprio", os muito fortes ou os demasiadamente fracos.

Amor e tristeza, espalhados num copo de conhaque num dia de semana normal, pareciam acabar com o fígado, mas sustentavam verdadeiramente era o espírito. E era aí, na terceira golada, que acompanhava a espera, quase interminável, que o espírito forte, e o espírito fraco apresentavam-se: era o espetáculo da possessão.

Eu fingia não sentir absolutamente nada, e enquanto escrevia, algo se modificava, e era necessário suportar todo este peso, absolutamente familiar, mas nem por isso íntimo, pois apresentava-se estranho à mim mesmo em todas suas formas cotidianas. E era o que eu fazia, olhando cartas velhas, abrindo geladeiras novas, bebendo cerveja sem gosto.

Um homem que triste e é só não incomoda, pois decerto algo se ajusta neste parâmetro categorizável, a sociedade compreende a tristeza de ser só e rápidamente há um acordo tácito entre o indivíduo e o corpo social; surgem os amigos, as companhias, o terapeuta ou por fim, os remédios psicoterápicos, mas quando encontramos, e é neste caso específico que os poderes curiosamente não podiam de nenhuma forma me localizar, um homem que ama e é sozinho,(e eu Román Soto Mayor fui o primeiro a ser encontrado neste terrível ponto) tal fato descortina uma exceção perigosa, que compromete todo o sistema encadeado.

Como amar sozinho? Como tornar-se apaixonado sem um objeto de paixão? Se alguém ama a si mesmo, chamaríam-no de narcísico, mas este não é o caso, se fosse verdadeiramente o caso, estaria não encolhido diante do mundo, porquanto se estivesse olhando para a face no lago, amaria-me e desprezaria todo o cotidiano; não era o caso. E poderiam me acusar de não amar ninguém, e se alguém não ama nada nem ninguém, haveria de esconder uma fraqueza, ou uma amargura fixada no canto do olho; mas deste quadro não faço parte, a minha fraqueza decerto era revelar-me, e não esconder sentimento ou idéia nenhuma, coisa que tanto desaprovava.

E amo algo! Amo! Amo um alguém oculto! Algo que oculto faz-me sofrer exatamente por permanecer oculto, mas que ainda por isto, carrega uma febre, um aglomerado de sintomas dos quais não consigo me livrar.

Carrego o sintoma dos apaixonados, enquanto eles amam e deliciam-se no conforto e na segurança que o amor proporciona ao futuro, concretizado por uma mão tenra, um abraço resoluto, um olhar justo, eu cá estou, com os sintomas da febre, incontrolável e voraz, mas sozinho, cuja mesma febre dos que se apaixonam pelo outro, pela outra convivem em mim. Mas cá comigo, descobri da maneira bruta, que amo algo que definitivamente não existe. Não pode ser tocado nem visto. Não está, nunca esteve. Não me aparece, pois não é.

Entre insônias e cigarros acesos, debruçei-me por sobre este problema existencial. Miserável e terrívelmente existencial - homem que ama sem amar, nebulosa contradição, ama sem ver, ama sem ter .

Em um ponto mais adiante, aceitei parte de meu problema e de seus desejos, fiz a respiração baixar, a calma e o silêncio cresceram. A partir daí me viam com mais frequência, no canto do bar, nas filas quase vazias de espetáculos que ninguém queria assistir, ou simplesmente dormindo na última sessão e fila de cadeiras do cinema, vazio.

Espalhado no canto do ônibus, ou deitando bruscamente na cama como quem busca afeto, eu tervigersava, eu caminhava sem sair do mesmo lugar, eu esticava os pés mas não o espírito, eu não me bebia como possível, pois eu tinha desistido. Desistido das mudanças cotidianas, que pareciam todas iguais, do futuro, das possibilidades do inédito, que nunca se apresentavam, e enquanto a desistência me dominava, o ponteiro dos anos acelerou, e a espera tornou-se verdadeiramente um perigoso jogo de armar que me colocavam alguns mais paradigmas insolúveis.

Aceitá-los, implicaria em esperar, aguardar um milagre, um milagre do deus metafísico, e aí sim, poder com justiça e direito, amar com a febre dos ébrios. Recusar os horizontes dos milagres, implicaria em um movimento extremamente cuidadoso e que me posicionava diante do limiar do absurdo e do particular, cuja opção desassistida, era o deus psicológico, que se fazia vivo diante das expectativas, dos desejos, e da esperança alimentada sorriso após sorriso.

Meu nome era Román Soto Maior, o homem que diziam, amava alguém, amava alguém, que mantinha-se oculto.

Meticulosamente envolvido e imbricado pelos meus sentimentos, aguardava uma mudança, um som, um beijo ou aceno que modificasse tudo, mas no meu canto, e um canto que bastava-se tão só, me sobrava apenas um som inaudível e incoerente, um desespero secreto, algo que não se resolvia de imediato, e convertia-se sob meus passos, num delicioso e solitário jogo de armar.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Hymne à l'amour (tradução)

Edith Piaf

Composição: Edith Gassion / Marguerite Monnot / Geoffrey Parsons

Hino ao amor

O céu azul sobre nós pode desabar
E a terra bem pode desmoronar
Pouco me importa, se tu me amas
Pouco se me dá o mundo inteiro

Desde que o amor inunde minhas manhãs
Desde que meu corpo esteja fremindo sob tuas mãos
Pouco me importam os problemas
Meu amor, já que tu me amas.

Eu irei até o fim do mundo
Mandarei pintar meu cabelo de louro
(ou: Me transformarei em loura)
Se tu me pedires
Irei despendurar a lua
Irei roubar a fortuna
Se tu me pedires

Eu renegarei minha pátria
Renegarei meus amigos
Se tu me pedires
Bem podem rir de mim
Farei o que quer que seja
Se tu me pedires

Se um dia a vida te arrancar de mim
Se tu morreres, se estiveres longe de mim
Pouco me importa, se tu me amas,
Porque eu morrerei também

Teremos para nós a eternidade,
No azul de toda a imensidão
No céu não haverá mais problemas
Meu amor, acredite que nos amamos.
Deus reúne os que se amam.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Messenger de hospital

Marta desligou-se
Mais uma vaga
Na unidade de tratamento intensiva

De quando se encontraram e fizeram um retalho de vida

Vasilli costurou a rua da Alfândega com a Senhor dos Passos; era um hábito antigo aquele de passear por entre os transeuntes, esquivar-se das lojas coreanas e observar aquele movimento frenético. Sempre produziam as mesmas paranóias individualistas; repleta de megalomaníacos, era difícil executar alguns passos de música, sem que esbarrassem sempre na ilhota artificial ciente de sua estagnação, a universidade atrás do mercado do Saara era seu oposto, não por que desejasse, mas sim, por que estava fundamentada numa dissociação paranóica, num estilo de vida cimentado em alguns aspectos populares que dissimulavam apenas a tentativa mórbida de legitimar-se através da conquista, do domínio; bárbaro, puro, e simples.

Conquista de cargos, vagas, conhecimentos, um pouco de status e voilá. Não pretendia ser panfletário, apesar do que, isto era um tanto quanto redundante ou contraditório... Romanos falando de bárbaros!

Jogou as chaves da porta sobre a mesa de centro. Não havia muito o que fazer além de olhar algumas poesias antigas.

Havia um pouco de caos dentro dele. Partes que chegariam a um acordo breve.

O telefone tocou. Era a ruiva.

Onde você está! Ela gritou! Onde você está caralho! Que merda você está fazendo! Por que me faz sofrer assim seu desgraçado. Nós tínhamos um maldito de um acordo! Um acordo!! Entendeu!

Ficou lá com o telefone na mão, esperando o acaso bater, mas a única coisa que sentiu foi que estava sendo observado por si próprio. Desligou, desconectou o telefone sem raiva, mas cuja necessidade clamava por aquela ação e pensou em dormir.

Mas seu celular tocou. E ele leu a mensagem: - Estou chegan#d%o.

Luz demais em um ônibus, e lá uma caneta, e um corpo rolando, rolando com blocos de papel na mão, e sentindo que dentro daquele ambiente lembrava de todos os sonhos.

Beber cerveja com orgulho. Não era bem o que queria e nem sempre, nem sempre caralho, nem sempre queremos o que surge no horizonte. Pois às vezes sentia vontade de fuder o mundo.

A vida está cheia de sentido. Um sentido que exasperado, reclama vingança e felicidade.

Uma vida repleta de casos, acasos, e de caos. Uma vida que pede um metrô às cinco da tarde, pede uma viagem sem data, pede uma cerveja na terça e um desgaste emocional ou um corte na mão no dia dezessete.

Ah vida! Vida comiserávelmente reduzida num dia de chuva, vestida sob um casaco de flanela!

Há um momento no mundo. Em que se bastava diante do mundo. E que nada além do eu, podia ser mais importante; nada!

Leitor espera! Antes de matar a leitura com teu desprezo, peço-te que mantenha fiel à um ou três parágrafos! Ainda virá Isabel! E Isabel, vinha, vinha desajeitada dentro de um ônibus cheio de gente amorfa - segundo ela, mas ela respirava desprezo e trazia consigo, heroína e conhaque, quando em seus melhores dias se fazia assim, totalmente legitimada.

A esta altura, podes e tem todo o direito de verificar que esta súplica exagerada não é capaz de prender tua atenção.

Eu, este acrobata desajeitado das letras, este narrador zé-comum preciso fornecer um bom ou se não estético motivo, para que teus olhos leiam o que minha mente torta produziu. Continua correto, mas alerto que não é da nossa concordância que este texto coxo nasce. Este texto nasce de uma inquietação que é só minha, mas por algum motivo que desconheço, e tu deves sim, saber melhor do que eu, resolvo compartilhar contigo, senilmente dominado pela estética, que esta dor é tua também.

Numa janela, Isabel, muito cínica, escrevia com o próprio sangue, os pulsos já cheios de chagas e chocando a si mesma produz:

Vermelho sangue
Vidro quebrado
Grito no escuro
Silêncio arrastado


Isabel sempre perdida; e diziam dela: mal amada, esquisita, doida varrida.

Isabel solitária, mas cheia de si. Com conhaque e suas manias. Nunca se encontrava.

Nem no Robson, nem no Ricardo, nem no Yuri e muito menos com aquele sexo casual, que tanta inocência lhe inoculava.

Isabel, um fragmento de vida, uma vidinha de mulher farta. Completa de si mesmo e de suas manias. Manias irritantes que ninguém e que todos percebiam sempre transbordando o limítrofe do aceitável.

Acordou amarga e resolveu encontrar alguém e esse alguém resolveu ser Vasilli. Pois a vida, para Isabel era assim; ou amarga ou insossa. E assim, seguia, seguia meio cínica, sangrando no ônibus, pintando janelas com hemáceas ou apenas assim, meio desesperada.

Quando sentava na varanda com o gosto da bílis e da cerveja, ela normalmente adivinhava o momento em que podia utilizar aquele mecanismo; o único mecanismo, o que revelava o cinismo da vida.

Quando ia embora dos lugares, ela nunca avisava a ninguém.

Ele, Vasilli, o mentiroso, gostava quando ela caminhava nervosa pela casa. E às vezes ela buscava cigarro, ou haxixe. E fazia-se a paz.

Pois é, ele sempre insistia que Isabel tinha um quê de degenerada, mas ela negava. E talvez, fossem apenas cigarros de menta, as ligações no meio da madrugada, ou a intensidade do amor, um amor que se não durava mais do que uma noite, ou um capricho, não omitia informações, era visceral, cru, e até doído para o mundo que ostentando a mentira simulava-se, mas decerto, era TOTAL, era total e entregue, até o último segundo do orgasmo.

E naquela noite resolveu encontrar Vasilli, Isabel, que naquela noite específica, não bebeu, não fumou e resolveu amar Vasilli de uma forma tão tenra, que ele achou que aquele corpo não era dela naquela noite tão bárbara, pura, simples.

Amaram-se, amaram-se naqueles quinze minutos de amor; mal sabiam que no termômetro mundo, o amor fazia-se de uma mediocridade tão paupérrima, de uma obviedade tão espúria, que não cabiam deste modo, Isabéis, casualidades, sinceridades virais e muito menos os encontros Vasillinianos.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Modelo de carta de amor volume 05 - Livre para Usar e Abusar

Por sob a fachada, há um homem não tão complexo, que busca algo não tão requintado, e que diante da simplicidade de um beijo, de um abraço, ou de algo que se assemelhe ao mais próximo da sinceridade refugia-se em torno de desejos efetivamente simples.

Olhar as nuvens acompanhado, beijar a fronte enquanto ela pensa ou diz outra coisa concentrada, e é delicioso desconcentrá-la; piquenique com formigas e paixão, uma andar que emoldura um delicioso jogo de esgrima sem vencedores e vencidos, um rascunho de poesia num guardanapo, cócegas no parque.

O toque das mãos, o olhar sem promessas e defesas, o abraço que engole o mundo encolhido diante do beijo, as línguas que se tocam e fervem algo que é muito mais do que um amontoado de células nervosas; a fé no circuito simples da vida.

O cheiro de grama molhada, a chuva que encara o casal, o desafio sobreposto em manuscritos com recortes de cartolina vermelha, a vontade, o desespero de permanecer sozinho junto da multidão, das flores.

Nas instruções de uso, as da página 27 que colorem o contrato de garantia do eletrodoméstico comprado por cinco maldosas prestações, há uma cláusula escondida e colocada por um bon vivant do setor de arrecadações, e que diz respeito à como os amantes devem se portar nos dias da semana, e uma delas diz que os beijos devem ser medidos por intensidade, pressão e desejo.

Devoluções do manual não são aceitas, todos os que tentaram e foram poucos os que fizeram, ganharam beijos e devolveram-se estupefatos por sobre o balcão.

Num estado desconhecido de um país vizinho da Birmânia, os homens e as mulheres que se apaixonam são obrigados à conviverem com pacientes terminais uma vez por semana e se comportarem nos dias restantes como se a doença fosse contagiosa e não houvesse vacina, vergonha, ou saída.

Nas salas de embarque de um país da América do Sul, há um setor específico para os mais apaixonados. Os que entram precisam provar sua paixão e convencer metade da fila do embarque. Ganham rosas, café da manhã e um embarque e destino à esmo; o coração é o que os guia.

Enquanto isso, na Península Ibérica, alguém, fumando um cigarro em uma varanda, completamente fria e molhada pelo tempo, sofre por um amor não-correspondido. Há vida, e não só flores.

Numa estrada do interior do sul da Itália, alguém carrega flores, sem saber que mãos irão recebê-las, nunca sabemos; o processo de colher as flores não é tão apaixonante, são treze trabalhadores informais, sem direitos trabalhistas e que quando apaixonam-se, por razões ocultas ou óbvias não desejam ver flores, querem filhos e casas.

O ritual de venda na urbe já desapaixonante tampouco seduz: e é por isso, que os verdadeiros e verdadeiras apaixonadas, roubam as flores ao invés de comprá-las no mercado local.

Alguém persegue um ladrão de flores, ele se esconde na esquina e o vigia que nunca amou ninguém desiste do intento.

O ladrão, que apesar de não estar amando ninguém(mas pretende), guardou a flor e a história para ela, ela mesmo, que ainda nem chegou na sua vida, mas que está oculta por uma profunda intuição, uma história e um destino bonito, que se fez mesmo em literatura.

Colocou a rosa e a idéia em cima da escrivaninha, apagou a luz, e prometeu escrever e ler tudo aquilo para ela, e quando chegasse o momento, ela saberia, quando ele resolvesse ler tudo aquilo, desde o início, que é apenas o coração que os guia.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

De quando se fez o primeiro milagre - Parte I e II

Agora que leio, e sinto, entre uma janela fechada ou uma terceira encomenda e carta depositada no destinatário errado, que possuo apesar da incapacidade intríseca de percorrer estações sem me molhar e quando chove a capacidade de andar e amar despretensiosamente pelos paralelepípedos amarelos; uma capacidade incrível de renovar todas e minhas esperanças.

Sim, eu possuo; e como se fosse o azul do céu que não anda tão perdido mas entretanto observa-se com mais exatidão, quando dorme, seja no ponto de ônibus, no metrô, na água salgada que envolve o sono mais profundo, eu prossigo... E caminho, eu caminho e crio esperanças, umas por detrás das outras, como formigas, singelas, e agradáveis, que andam às centenas pelo meu quarto, despretensiosamente ordinárias e felizes.

Não tão especial, eu abandono, abandono-me, abandono-a nos sonhos para resgatá-la na realidade, que se não é tão especial, aparenta pelos acasos, dizer-me algo que as contra-capas e as vaidades e belezas pessoais procuram ocultar.

Flanqueio-a e ela nem vê, mas agora percebo-a, com mais exatidão à princípio, como aguardasse um afago que nunca virá, sem esmero, sem destino, sem naturalidade, cheio de mesóclises irredutíveis e inúteis com suas trouxas inesperadas.

Lembro-me do seu cheiro, da poesia que eu nunca recitei, do encontro que não houve, mas haverá, das flores, da conversa, do futuro, haverá! Lembro-me, lembro-me de tudo o que eu disse.

Lembro-me dos contos e amores inacabados, como se postam e se conservam ao mar.

E lembro das memórias dos sonhos. Da praia que tudo carrega. Do amor que tudo leva. Da paixão que tudo conquista. Do abraço que tudo desmorona.

E aí esqueci de mim mesmo, como uma janela fechada, que por amar despretensiosamente andou às centenas no quarto, e com cheiro de poesia, de naturalidade, fez-se no beijo e na surpresa daquele amor platônico agora concreto, irresistível, porém ainda abstrato. Pois sozinho, lhe cabem esperanças, e da mesma forma de que tudo leva, aqueles olhos ainda haverão de encontrar os seus, que conservados ao mar fizeram-se tão inacabados, sem ela.

[...]

E hoje acordei assim, normal, com vontade de passar o dia costurando sonhos. Peguei tudo o que tinha, um cigarro, meia caixa de fósforo, uma mochila, vergonha e quatro camisas, um caderno verde; saí sem princípios e isto foi até o meio-dia.

Na mesinha de centro o relógio apitava, e não era meu. A geladeira jazia ligada e o fundo da casa, acrescia-se de uma água-furtada, que ligada pelos tijolos e pelas insônias dos anos anteriores faziam dos cômodos pasárgadas.

E ela, ela que nem me lembrou, mas que eu fingi esquecer depois do almoço, na minha imaginação dormia, dormia sob as águas-furtadas que incriminavam metade de mim, cujo esboço feito de esmero e efêmero era pura vodka-estraga-poemas.

E quanto mais eu me deteriorava, podia ver o mundo deteriorando-se. E o mundo deteriorava não só enquanto eu me deteriorava, mas era algo além, pois minha deterioração estava aquém, e sim eu sabia, sabia quando nos piores dias percebia, que mesmo que eu não me deteriorasse haveria algo ou alguém para se acabar no finito do mundo. Pois o mundo se acaba sem mim. E isto era uma tragédia extremamente narcísica... Eu adorava.

A instituição imaginária da sociedade convivia bem consigo mesma, mas eu, parte disto tudo, não me encaixava, e tentava seguir as velhas fórmulas, os antigos esquemas e isto implicava em manter a esperança.

Algo real e concreto começou a germinar, irrompendo as cascas e forçando o solo e as desilusões acomodarem-se sob o novo quadro: a luz, o orvalho perante às cascas, folhas, no céu da verdade empírica e esmagadora dos fatos; fatos que se faziam só, eu nascia ali, na esquina da morte, que não fazia peso, pois era parte do todo e das cinzas do novo, reciclando no final dos finais. Era a morte cotidiana.

Renascia sob o tom da dúvida; o sal e o tempero eram só meus, naquele momento íntimo do paladar, algo meu.

O mundo terminava em mim, era uma fronteira possível mas que odiava o outro em si mesmo, na água-furtada, no poema do outro que feito para mim, me escolhia sem que para isto eu tivesse esmero. Todavia guardara empatia.

E demasiadamente empática, empático, nos assemelhávamos, mesmo assim, largados na avenida ordinária do mundo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A estranha vida de Román Soto Maior - Do Verão

Nos dias mais quentes, apesar do sol, o verão não havia chegado no coração de Román Soto Maior.

Mandou uma carta indignada para as agências que controlavam o tempo e a temperatura mas ainda assim, recebeu uma resposta que dizia que a temperatura de seu coração não dizia respeito àquele departamento; que procurasse um advogado.

Feita a sugestão, processou o Estado e o Sol. Perdeu as primeiras instâncias e ficou torcendo para que o destino ou a justiça, lhe dessem alguma notícia boa.

Brigou com o advogado e com deus, ruivas não constavam em contratos e nem nasciam sem ajuda de tinta.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Amávamo-nos.

Ruiva.

Ruiva, ruiva... Ruiva.

Eu lhe abracei, e aí nos beijamos quando o relógio fez aquele ruído, e quando bem, e quando bem, algo errado, algo errado, exremamente bom, aconteceu.

Você se distraiu. Eu fixei meus olhos. E seus olhos, verdes, tão bonitos, encontraram minha angústia no infinito. O infinito que cabia em nossas esperanças.

E quando nos beijamos pela primeira vez, quando nos amamos sem toque. Quando relaxamos nossas defesas, foi aí ruiva, que algo aconteceu.

E aí, você; ou talvez tenha sido eu... Nos encontramos. E foi lindo ruiva, foi lindo.

Algo desenvolveu-se. Pouca verdade.

Acabei preso, por que o alçapão era você.

E eu, tão frágil, e eu tão pouco verdade, e sem relaxar, encontrei a esperança que cabia exatamente nas nossas angústias. Minhas asas, e seu vôo de anjo, sobrevoando as nuvens, as que cabiam nos nossos sonhos, estas sim, que nos elevava às sinceras atmosferas; e aí voávamos, sem anjos, mas com muitas esperanças.

Eu voei ruiva. Eu voei por sobre tudo. Eu abandonei o concreto, o tijolo.

Eu era um anjo ruiva.

Eu perdi. Apesar de não ser um jogo.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Só cumprem ordens

O juiz só segue a justiça.
O oficial só cumpre a ordem do juiz.
O policial só executa a ação de despejo.
E o povo?
...
O povo só sofre.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Quando chorou sem ninguém ver

Cansou. E isso foi na segunda-feira.

Na quinta estava exausta.

Aquele quarto maldito, cheio de gente maldita, de angústias malditas, de fantasmas e dores malditas era feito de guimbas de cigarro, de cerveja e de saudade.

A saudade era ridícula, como os recados virtuais, as cartas que nunca chegavam e as dores mal paridas.

Filha da puta maldita.

Nem um desastre a filha da puta tinha, apenas um baralho faltando cartas, algumas ausências e uma dor dentro de seu mundo perfeito. Perfeito demais.

Estava tudo ruim, mas ela fingia felicidade. Sorria, cumprimentava, falava quando chegava a hora e dava até bom dia para os que lhe odiavam.

Sorria para os cínicos, beijava a mão dos covardes e enganava os espíritos ruins.

A dor de cabeça aumentava. Cefaléia absurda que lhe pegou na manhã em meio a agitação. Doía.

Resolveu tomar uma decisão: daqui pra frente tomaria calmantes. Mas mesmo assim tinha medo de um tumor.

Pegava o ônibus aguardando um amor, mas só lhe vinham trocados e paisagens.

Brusca, diziam.

Quando morreu, amigos vieram de toda a parte para dizer que se importavam. E acreditando nisto, muitos pensavam que se importavam realmente.

Habituando-se ao ridículo confessaram-se e viram-se livres da vida no dia de sua morte, era uma família feliz.

Poucas pessoas fizeram tanto por ela do que Vasilli e Anatole.

Anatole conversava sobre filosofia. Vasilli era cínico tal como tal. E ela estava estendida dentro de um caixão.

Semana antes, comeu pizza e fumou haxixe. Mês antes, fez caso com algumas latas de cerveja.

Na semana seguinte despediu o terapeuta.

"Terapia nunca mais!"

Caminhou novamente só. Estava frio, ninguém viu.

Não iria pedir por favor.

Caiu em si olhando para um aquário no bairro da Liberdade.

Comprou um biscoito chinês, abriu e leu a seguinte mensagem: "A dança é a linguagem oculta da alma".

Que merda qualquer aquilo enfim lhe serviria? Ninguém viu.

E ela. Ela despediu o terapeuta, comeu biscoitos e continuou assim, com insônia. E depois morreu; esquecida naquele enterro cheio de gente.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Frases

"Se és escritor, escreve como se tivesses os dias contados, porque, na verdade, eles estão-no quase todos."

Thoreau

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Fodendo o ano novo

Numa noite que não significava nada, e que nada tinha a dizer além dos personagens, coisas aconteciam e as estrelas nem por isso deixavam de se esconder.

A noite resolveu não citar nomes.

Uma mulher às quatro e cinquenta desgostosa do namorado, bêbada e patética por ter encontrado um homem não tão retangular como de costume, resolveu chamar sete gorilas amigos, que a carregaram, pagaram mais cervejas e levaram a desgostosa bêbada, e patética para o acalento do machismo, do namorado e dos próprios símios, desgostosos com eles próprios, mas profundamente acalentados pelo namorado traído.

Um namorado traído por si mesmo, que juntava uma bêbada não tão patética e sem álcool, fazendo serviço na Barata Ribeiro em Copacabana, e que ganhava a vida atraindo gorilas, apesar de acabar com a antropologia de boteco em noventa por cento dos casos quando era obrigada a foder com força aqueles homens tão machos, travestia-se e era assim sua vida, uma vida bandida.

Travestida, a andrógena linda e amorosa optava ou por novas regras gramaticais que lhe aplicassem gêneros simultâneos ou ainda assim, conseguia optar sóbria, por uma conversa racional e decente(!), onde os conselhos salvariam um macho, uma fêmea e um amontoado de polietileno, que inevitávelmente chocariam-se no meio da avenida Brasil caso a andrógena não intervisse junto com o destino.

Conselhos de bicha.

Um macho sensível, não tão macho por ser sensível, esbaldava-se numa boate fêmea quando ele sabia que aquele lugar travestia-se de macho; onde até as mulheres masculinizavam-se ignorando-se e ignorando umas as outras, e uns aos outros, onde o que valia realmente eram as relações de poder e não o sexo do sujeito ou sujeita envolvida e sujeitada.

O sadismo vinha com a comanda e podia ser pago à vista ou com sete cheques parcelados, desde que o gênero constasse no verso daquela cartolina mal ajambrada.

No final da noite, o macho sensível encontrara um cavalo, um cachorro e outras forças da natureza que acabaram lhe descrevendo a noite sem necessidades de descrever poesias infantis.

O mundo animal lhe bastava.

Andrógenos eram todos sob a cerveja masculina do poder.