sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Isabel e eu

"Meu oceano tem 20 cm de profundidade.". O parabrisa, a chuva, a estrada vazia e eu me lembrando de uma noite qualquer, pelo exercício da livre associação. E essa frase nem era minha. Mas isto me fez lembrar a carreira de pó da degenerada Isabel. E é para isso que servem as frases prontas.

Num quarto de motel, um motel com menos estrelas que um sábado nublado e chuvoso, Isabel aquecia-se e inspirava como uma profissional; sua dedicação em manter o ambiente ruim materializou-se às duas e quarenta e três no comentário mais piegas da noite: "Isto foi profundo"- e no fundo ela cheirava, buscando uma porta que jamais se abre.

Ela sorriu, e eu acredito que não pelo meu comentário, mas seus cabelos loiros e lisos, pareciam mais oleosos toda vez que ela jogava a cabeça para trás e apertava o nariz com delicadeza; enquanto ela limpava o nariz, decidiu esfregar parte do pó que restou nos lábios e eu pensei que apesar de triste, aquilo de certa forma era a coisa mais sensual que eu assistia em semanas e eu não via a hora de foder aquela mulher com força.

Eu ficava de um lado para outro, com um ou dois copos de cerveja, dando goladas secas, tentando me encaixar naquele quadro que era só dela; pois no final das contas até mesmo o sexo era para ela, não para mim. Meu cinismo no entanto, acabara vencendo a parada.

E ninguém, salvo poucas exceções era mais cínico do que eu.

Quando ela acabou, eu molhei uma toalha quente, a fiz deitar de bruços, pois o que eu queria era foder ela a noite inteira e vencer aquela merda de cocaína, vencer o traficante, o filho da puta que o indicou, os viciados que a seduziam, e não mais secundário, desejava transformar as plantações de coca em fazendas agro-ecológicas auto-suficientes coletivizadas por agricultores radicalizados no sul da Colômbia.

Uma parte de Isabel, anja Isabel caminhava no quarto procurando outra carreira de pó e parte dela, já estirada com a toalha quente por cima de suas sinuosas costas estava lá deitada na cama recebendo o ato de amor porção única simples-descartável mais sincero que aquele hotel e aquele centro da cidade paranóico e falido já viram.

E quando eu reclamava dos seus maus hábitos, de quando ela xingava o garçom, de quando ela mandava alguém para a puta que pariu ou estourava o vidro da frente do carro de algum babaca mal intencionado no centro da cidade com um paralelepípedo, ela dizia que apenas falava e fazia o que todos pensavam.

"Eu penso e faço, eles só pensam, não me recrimine, eles são iguais a mim, só que eles tem o que perder, eu não."

E eu apagava o cigarro na sola do sapato e sorria, ela e sua lógica possuíam alguma razão.

Não poderia recriminá-la, não era hipócrita.

Esta sensibilidade inédita de Isabel, acabava me seduzindo e eu me jogava com meia garrafa de vodka no seu colo macio. Geralmente a encontrava trabalhando na esquina da terceira avenida, diante da rua mal iluminada; e daquele chafariz vazio.

Às vezes acabava bêbado, mas ela sempre acordava melhor do que eu. Quando ela acordava depois eu costumava sugerir a ela própria que descansasse na minha casa, coisa que nunca aceitava, mas nesta noite, uma noite diferente, ela resolveu sair do motel.

E saímos no meio da noite.

E eu a convenci, convenci de que na minha casa ela poderia tomar um banho quente, que poderíamos assistir o filme do Almodóvar, que poderíamos comer algo melhor do que um sanduíche de carne e que bem, a boca de fumo perto do meu apartamento vendia a melhor coca da cidade.

Enquanto eu dirigia ela fazia sexo oral, enquanto eu descia do carro ela retocava o batom e ajeitava o salto alto com suas pernas à mostra; enquanto eu comprava e pagava o almoço do dia posterior, ela pedia mais dinheiro para comprar mais felicidade. Entramos no quarto e ela por um momento abandonou o velho caminho, e ao invés de cheirar, resolveu me agarrar, por que algum motivo oculto, levou-a à dominar toda a situação. A arranhar todas as minhas costas, enquanto me cavalgava com força e raiva, a ponto de eu precisar me defender de um ou dois socos e retirar discretamente os cinzeiros da mesa de canto da sala.

Enquanto ela dormia, eu fui preparar gim com vodka. Enquanto ela sonhava, eu resolvi trocar sua roupa, e coloquei um pijama que ninguém iria mais usar. Cobri-a carinhosamente com meu edredon, joguei fora todo o pó sobressalente, limpei o cinzeiro, abri a gaveta e joguei meu diário lá dentro.

Dormi ao lado de Isabel, cuja vida doída não impedia ao contrário das princesas de vidro, das meninas tons pastéis, que possuísse uma sensibilidade que extrapolava seu comportamento ruidoso.

Isabel era um oceano turvo e profundo... Mas que me cativava pelo que era, assim, inteira.

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