segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Pulsão vitoriana

Maço vazio, e eu nem fumo. Tinta azul no fundo da casa.

Gente bêbada, crianças cheirando cola na porta do circo em que eu, em que você, em que nós nos divertimos.

Seis latinhas amassadas, miseráveis para um dia ruim, mas boas para um dia razoávelmente bom.

Liguei a tv, mas a antena não funciona e eu gosto do barulho da sintonia ruim, só quando bebo demais e quando eu sinto o cheiro de morte, e de hipocrisia invadir a sala, aquela sala onde seus pais comem um guisado de pato com molho rosê.

Fico pensando nos meus princípios. Doces e carinhosos princípios, aconchegantes para quem usa tinta a base de petróleo. E petróleo mata muita gente.

Meus passos, foram sintomáticamente reduzidos a um bailar intenso mas profano, previsível mas ainda assim divertido, que conduziram-me a enfaixar parte de mim, a dizer a mim mesmo, a errar as letras, as teclas, a tinta; esparramar-me por entre brechós, por entre mercadinhos chineses, por entre estações de trem do século XIX. E ainda assim continuar amando.

Eu deixei parte de mim, esquartejei-me de bandeja quando ela disse que não queria mais minha companhia, eu tomei veneno às três da tarde sem ter motivo, e todos diziam que havia alguém que sofria mais, que eu ainda não tinha dor o suficiente... Que sofrimento era fuçar latas de lixo, que sofrer era ter uma doença terminal no final de semana, que doer era perder a família num feriado fundado no assassinato católico de uma tribo indígena no sul do pará!

Sofrer é um atestado médico de medo num metrô lotado às terças-feiras seu filho da puta! Sofrer é um esporte de pobre!

Mas foi por isso... por não ter dor o suficiente, por ver que havia sempre alguém mais fudido, mais ferrado, mais idolatrado pelo deus-dor, mas seduzido pela morte, que eu sempre conseguia me deixar ser vencido pela pulsão de morte. Pulsão vitoriana!

Morte!

E morrer é reescrever-se sem sentir pena. É confundir-se estando vivo.

Juntei papel, olhei para a luz e sempre, sempre havia alguém mais fudido do que eu.

Amei, bebi, escrevi, e ainda não, ainda não morri.

Pois sempre haverá alguém mais fudido.

Pois sempre haverá sintonia ruim.

Um comentário:

Eliza (Biii) disse...

fica até sem graça assim.
a prosa boa também estupra, soca o estômago, aperta as vísceras.