quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

De quando ele quebrou a cabeça

Estávamos lá, sentados lado a lado, enquanto eu a olhava meio cabisbaixo. Não. Eu não, em algum momento pensei em fechar os olhos enquanto recitava o tao te ching em tom de deboche. Ela estava lá. Eu não cheirei sua beleza. Não. Não a provoquei como de costume, por que isto seria fácil, seria fácil como ler sua face estampada de decisão. Ela me disse estar confusa e eu jurei expor isto aqui. Na verdade não jurei nada, apenas me pareceu mais nobre, escrever algo que eu não entendia ao invés de pensar. Eu não sei quem eu seria, se Vasilli, se Anatole ou se eu seria o autor dos dois. Brincar de deus, de criatura era tão fácil quando se conseguia dominar tais frágeis letras...

Ficar confuso era mais frágil ainda. Eu lembrei da menina do saxofone, que supostamente iria me acompanhar até me curar, não falo de amor eterno, esta inverdade eu fiz questão de abandonar há alguns anos atrás. Minha cabeça estava sangrando. Eu tropecei durante segundos o suficiente para me esforçar em procurar uma sutura bem dada e o médico repetiu, "tome mais cuidado, você ainda tem toda uma vida pela frente".

Eu jurei repensar e aceitar o amor temporário, que existe tempo o suficiente pra acabar, e também não podia aceitar o véu e a grinalda fictícia, que desmancham durante anos sob a hipócrita farsa da monogamia moderna. Contudo, meu coração pedia clemência, vida, clemência. Fiz questão de frisar a clemência no hospital: "Não tem clemência doutor? Que rasgo enorme na cabeça e o sr. me trata como se eu fosse um acidentado comum..., Não tem vergonha?"

Por que falar de sua beleza? Ela era linda, perfeitamente linda. E era isto que me cansava. Cansava-me, desgastava frágeis ossos de indecisão, conturbava percepções, fazia do criador, doce criatura e da criatura, doce criador.

Eu remendei o passado. Este era bom. Bom o suficiente para fornecer-me material fresco para meia-dúzia de contos. Meu passado era um tratamento inacabado, que funcionava.

Enquanto a enfermeira pegava o algodão, eu olhei para os Arcos da Lapa, onde eu deixei parte do meu sangue lá, na rua Riachuelo, na parte onde eu olhava para as pessoas ao meu redor, onde tinha ido procurar Laura, pois esta óbviamente não achou meu sangue engraçado, e encaminhou-me ao furgão do doutor paramédico gentileza.

Laura me olhou com ódio, um ódio seletivo é verdade, mas que transparecia uma certa verdade de seu coração vermelho. Eu a olhei com a carência propícia que a situação exigia, enquanto a enfermeira preparava a injeção com olhares de "talvez estejam discutindo a relação".

Mas não havia relação. Ela era um fantasma. Uma acompanhante perdida. Nenhuma me amou, pensei com os lábios, mas isto era tão loser, tão perdedor, tão fatídicamente esgrogue, que eu fiz uma careta e comecei a rir, cantando uma música equatoriana que um velho amigo me ensinara em sete noites atrás. Ela sorriu, passou as mãos sobre parte da minha nuca que não estava dominada pelas hemáceas e disse um tchau tão delicioso, seguido de um beijo estalado no rosto, que eu aceitei toda a situação, apesar do choque inicial.

Peguei o metrô, tentando esconder as gazes, mas era tarde demais. As feridas estavam aí, expostas.

Pensei nela novamente e com uma das mãos escoradas no ferro do vagão, olhei para o maracanã e tive a impressão que a vida era um jogo. E eu ainda estava na segunda divisão.

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