segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Dos primeiros ou últimos encontros

Não sentia-se particularmente triste, contudo não era euforia, muito menos excitação. Apagou as luzes e resolveu caminhar um pouco, arejaria um pouco suas idéias. Era difícil explicar, não era dor, nem sua antítese. Muito menos apatia, por que não lhe consumia de maneira tão efetiva a ponto de proporcionar um comentário mais audacioso.

O apartamento, estava quente, um pouco de vento lhe faria bem, faria realmente bem. Quem sabe uma cerveja. Talvez.

Passou num pequeno mercado, comprou cervejas, cigarros e caminhou até a ponte. Uma ponte quebrada, onde conseguia apreciar bem um pouco da lua, um pouco daquela brisa do mar. O cheiro de cidade pequena era cada vez mais nítido.

Sentou num banco simpático, próximo ao centro da praça, podia assistir a lua cada vez mais nítidamente. Depois do terceiro gole pensou consigo que sim, a ruiva poderia aparecer.

Mas isto são projeções. Ruivas não aparecem dessa maneira, clichê. O máximo que posso fazer é olhar a lua e me satisfazer com elucubrações. (e racionalizar um conto é matá-lo totalmente pensou)

Recuso. Recuso sim, elas podem aparecer. Este é o meu conto, é minha vida. Talvez elas apareçam. Há um pouco de Vasili em todos nós pensou. Há uma Laura escondida em cada esquina, clamando por revelação. Mas nunca, eu disse nunca, definitivamente nunca, retirem os mistérios da vida. Matem a ciência, matem a psicanálise, matem o que for preciso(exceto o ser humano), mas permitam que o mistério exista, sem o mistério não haveriam cores. E cores são essenciais. Papéis laminados são invenções estúpidas, refletiu antes de abrir a próxima cerveja, cartesianamente falando.

Cortaram-lhe o pensamento de maneira súbita, estrondosa, um som metálico de pedais o que revelava sua total desatenção para com grande parte da realidade, com na verdade, uma bicicleta branca. Era a ruiva pedalando.

Usava um short curto que lhe caía bem, uma camisa larga demais, não estava com sutiã, e dentro da cestinha da bicicleta carregava morangos. Inicialmente tratou de pensar que era uma cena demasiadamente estúpida, mas a ruiva tratou de contornar toda a estupidez dos sentidos com seus trejeitos que encantavam metade do universo(aliás pensou o quão contraditório podia ser algo uniforme e múltiplo ao mesmo tempo... uni - verso). Ou seria um único verso? Além disso o sorriso da ruiva era capaz de tornar a cena mais ridícula possível na obra de arte mais interessante, na memória mais viva, e quem não vive de memórias... Memórias são fundamentais.

No momento em que a ruiva ainda fazia sinais com as mãos indicando cansaço e inclinava metade do corpo com a respiração ofegante, uma das lâmpadas de um dos postes da praça apagou e ele achou de certa forma(odiava esta palavra, de certa forma, lembrava fôrma e ele escreveria mentalmente errado para lembrar que algo que forma não pode ser bom de nenhuma forma) que isto foi um elemento síncrono, ou seja, resumidamente de relevância para ambos; mais para ele que pensava, do que para ela que pedalava apressada naquele momento, se ajeitando desajeitadamente com os morangos e a bicicleta cambaleante em uma das mãos.

Lutava para fazer com que o descanso da bicicleta mantivesse a bicicleta de pé, mas em vão, necessitou que Vasilli ajeitasse a bicicleta antes de iniciar o seguinte passo, não tão sincrônico e não tão perfeito como toda projeção deveria ser.

Com energia e vivacidade, a Ruiva mexe os peões:

- Oi.

- Oi.

- Gostou da minha bicicleta?

- Sim, quer dizer(mexeu a cabeça em tom de ironia), está de acordo com a situação(sorriu para deixar a cena mais agradável).

- Bobo. Eu trouxe morangos.

-Eu trouxe cervejas, apontou para as latas vazias.

- Está bem, me dá uma latinha, apontou a ruiva, antes de escorar-se sentada com todo seu típico descompromisso sob o banco da praça.

Era um medroso. Bebeu aceleradamente para evitar maiores diálogos. A ruiva tinha esta capacidade, de lhe manter constantemente num jogo de xadrez, onde deveria, mesmo que inconscientemente pensar e repensar seus diálogos, saber que palavra usar, não desagradá-la, mostrar se inteligente, suave, tolerante, deus, sabia que tudo isto não funcionava! Teria de ser natural, mas como ser, e fingir ser natural, com alguém que lhe tirava do padrão. E se o padrão é o natural, jamais conseguiria manter-se dentro do padrão.

Tinha medo, talvez quando a ruiva descobrisse quem realmente era, olhasse para seu âmago tudo ruiria. Mas tudo já estava ruindo. Era fácil falar de descompromisso e de liberdades amorosas quando a ruiva era um modelo para todos os envolvimentos futuros. Encontre uma jóia rara e saberá o que estou dizendo, pensou. Jóias raras são únicas. Padrões, cópias, pessoas iguais... Já conhecia muitas. Era fácil ser livre com os padrões. Difícil era abrir exceções às exceções, difícil era abrir mão do inédito. Ninguém quer abrir mão do inédito. O inédito é o inesperado e o inesperado faz parte do segredo, do mistério, que são sustentáculos básicos da vida.

Voltou ao assunto. Quando a ruiva, já virava a latinha de cerveja de maneira ruidosa e irresponsável, como ele realmente adorava, e era realmente adorável. As gotas fujonas, escorriam por seus lábios, enquanto ele lembrava que há duas semanas atrás, escutou sua música favorita, e não pode deixar de lembrar da ruiva. E lembrou que talvez não estaria ali caso ela tivesse sumido, digo aparecido(é da capacidade do conto e dos contistas inverter quaisquer tipo de situações, a palavra é pois uma serpente...).

A ruiva bebeu. Ele também. Abraçaram-se, ela acariciou seu pescoço e ele passou a mão lentamente sobre seu cabelo, beijaram-se sem importar-se muito com a praça, com a bicicleta, ou com as cervejas jogadas. Eram apenas motivos, adereços muito bem colocados pelos próprios.

Pensou outra vez o quão amador era nesta arte. Dos mais principiantes. Ainda estava se descobrindo, descobrindo seu papel no jogo.

Largaram os morangos de lado, sorriám, enquanto estes caíam, a bicicleta e os beijos também... Os abraços fortes, os transeuntes passavam como objetos próprios de um conto que ambos criavam e toda aquela imperfeição parecia preencher-se de sentido. Resolveram passear com a bicicleta, com os morangos e com os sorrisos estampados na alma, a praça era pequena demais para um amor que ocupava o centro de suas emoções, o centro da cidade, o centro de suas vidas. Era um universo que construíam, que apesar de já existente consideravam-se em seu tabuleiro, com suas próprias regras, no centro.

Vasilli lamentou apenas ter acordado e revelado por meio de três ou quatro páginas com as devidas alterações gramaticais algo que não deveria ser racionalizado, mas teria de permanecer no centro de seus sonhos e de sua psiquê.

O último trecho da carta enviado, revela bem seu desejo: Jamais racionalizem seus sonhos. Matá-los é matar a si próprio. Sonhar é viver de "certa forma" plenamente.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Curriculum Vitae

No início você liga.

Com alguma camisa social ressuscitada de um tolo natal do ano passado, se esforça para calçar seu melhor sapato. Engraxando-o com o zelo e a nobreza de um profissional, pede até aquele cinto marrom verniz emprestado de seu pai que ele guarda para as datas comemorativas mais relevantes.

A calça de vinco passada com exaustão dá aos citados componentes uma aparência de sobriedade, de seriedade que você duvida realmente que o espelho possa estar dizendo a verdade. Você faz a barba, de forma que algum pêlo rebelde não possa revelar sua disposição crescente em participar de uma insurreição armada no interior do Rio de Janeiro.

O cabelo penteado de fora para dentro com um pente perolado de 28 dentes, dá o toque final à produção expressiva-corporal do seu nobre ofício. A camisa enrolada por dentro da calça é puxada alguns centímetros para fora, numa medida algébrica impecável, sendo afixada definitivamente pelos senos e cosenos de seu cinto marrom-verniz. Todo o conjunto fornece a tônica de um dia extremamente cínico. Algo entre o amargo do café e o doce do açúcar.

No segundo dia você relaxa. Troca a melhor camisa do mundo, por uma camisa day-by-day. Uma substituta de segunda, talvez até de terceira categoria, mas que ainda lhe concede o tom respeitável necessário. Suas unhas continuam cortadas como de costume. Seu sapato continua brilhante e seu cabelo mantém a aparência blasé necessária.

Tristemente chega-se ao fatídico terceiro dia. Você já não está usando seu sapato brilhante. Ele lhe apertava. Seu cabelo não é mais o mesmo, mas você ainda pode passar por uma blitz policial sem ser espancado por um cassetete de 90 centímetros.
Quatro dias. Já os Quatrocentos minutos de falsidade estética apresentada pelo seu personagem começam a se desfazer com alguns itens do seu antigo vestuário. Você usa uma blusa de malha simples, um verdadeiro pecado gerencial, talvez você tenha roubado o departamento financeiro, uma ou duas vezes. Aboliu a camisa social, mas continua exalando limpeza pelos cantos dos corredores administrativos. O sapato fora trocado por um tênis, o cinto continua emperolado como antes e exala um pouco de catolicismo fervoroso que tanto agrada o senhor Vilaça do terceiro andar.

Depois da primeira, da segunda e finalmente da terceira semana você é você novamente. O tênis preto está sujo por falta de tempo e de vontade, sustenta sua calça jeans horrorosa, um ode preconceituoso aos anos 90, desbotada pelo clima e pelo seu perceptível gosto musical duvidoso. As camisas sóbrias dão lugar a uma de malha laranja, o que demonstra claramente sua pré-disposição a cometer crimes familiares.

Suas unhas grandes, sua barba por fazer já não conseguem lhe ajudar a resolver o problema do banco de dados da senhorita Hilda do terceiro andar. Seu cabelo desgrenhado, abusado, é praticamente uma afronta a gerência de produtos e processos industriais. Não que você se importe, é claro.

Enfim, fizeste teu currículo falar por si só. Tu és um mártir.

obs 1: Escrevi há um tempão. Mas como estou trabalhando em coisas antigas, resolvi ajeitar e enviar para um jornaleco de poesia que tenho muito gosto. Resta saber se publicarão. Publiquei aqui para dar uma esquentada no garoto, os comentários serão o termômetro.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Ausências em vermelho

Hoje não sonhei com você. Mas acordei com você. Não estava do meu lado, mas preencheu todo o quarto com meu desejo. Desejo de te ter ao meu lado. Desejo de me preencher na tua presença.
Mas presenças não preenchem nada. Pois a ausência está dentro de mim. A ausência está sempre dentro, não fora. Disseram-me que eu necessito desmistificar-te. Concordo. Diga isso para meu coração. Troque coração por inconsciente e ganhe algum respeito de quem lê ou escuta o que eu digo, mas o fato é que a razão não consegue mais dar conta da tua plenitude.

Finjo que não procuro, mais procuro. Todo mundo procura. Até quem não sabe disso, procura. Mas até agora não achei nada. Uma cartomante disse que viria em janeiro. Esperarei por que não sou superticioso.

O que devo fazer além de esperar? Esperar é agir. E ação é um copo de cerveja, cheio. Aliás não sei se tenho forças para minha autonomia psíquica. Prefiro o confortável abrigo das metáforas mal redigidas. Cizânias do destino.

Não me deixaria esperar de braços cruzados janeiro chegar? Deixaria?

A cartomante desconfia da previsão.

Por que percebe que eu vou perceber os momentos grandiosos até janeiro. E se eu conseguir percebê-los estragarei com toda previsão que ela se esforçou em cunhar. Ai de mim, e ai de todos os espíritos acorrentados no altruísmo.

No peito dos desafinados ainda bate um coração, saiba bem disto!

Ruiva, o que é o fundo do poço? O que é o maldito fundo do poço ruiva?

O fundo do poço ruiva é uma oportunidade. De contemplar a luz por um momento mais longo que o suficiente. Leia-se suficiência, deste mundo ocidental-cristão. A luz do poço ruiva, é sentir seu cheiro, andar pelas calçadas, procurar não esbarrar nos paralelepípedos, nem os cinzas, nem os amarelos, e continuar seguindo, mesmo que para isso você se confronte com seus maiores medos(leia possibilidades). É possível viver sem isto ruiva? Viver sem medo? Viver sem medo. Viver nas sombras? Viver na sombra. Espreitando, seguindo, guiando. Perdendo. Algo que nunca teremos?

Catarses solitárias são normalmente construídas sob a indefinição.

Cheiro de cerveja. De maldade. Tem muita maldade no mundo.

Há um espaço para poesia. Um espaço pequeno, que não respeita nada além do limite do óbvio.

Há algo que escreve mais do que própriamente dá sentido para.

Há um espaço vazio Ruiva, há a repetição das mesmas coisas, há parte de mim espalhada por aí... Há um concentrado de ausência em mim, que luta por permanência. Luta para ficar. Mas eu sinceramente quero despejá-lo. As repetições mataram nosso amor, explicarei isto mais adiante, adiante... Isto me torna ainda mais contraditório do que sou.

Por que quando você sair, a poesia inevitávelmente fugirá junto.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Diário de Jarbas: o Doutor Limítrofe


Procurei álcool na geladeira, mas não tinha. Pensei, mas que maneira covarde de tratar o cansaço doutor. Doutor é o caralho. Todo mundo tem dias ruins. E eu não serei o primeiro nem o último.

Faltam só 8(pensou no oito deitado, no infinito) sessões. Oito sessões e o senhor estará curado.

E até lá o que faço? Peço morfina para o ajudante de enfermeiro ou sorrio caridosamente para a loira de decote que fica na recepção?

O senhor pode pedir seus ansiolíticos para o Dr. Anísio.

(Anísio, um velho senil que trabalha no segundo andar)

Está bem. Terei que subornar o motorista da ambulância do turno da noite novamente para ele me conseguir algum sossega-leão.

Já tentou meditar? Já, não funciona no ocidente. Há muitos prédios, pouca paz. Não dá certo.

E a yoga. Abandonei, as orações antes das sessões me irritavam profundamente.

Afinal deus é um delírio. Ah sim. Disto tenho certeza. Certezas é o que todos nós queremos de vez em quando.

Ontem pintei uma linda mandala. É mesmo? Com que cores. Verde e laranja. Na verdade não é própriamente uma mandala. Só me lembra. É algo confuso, uma luta interna entre as cores.

Achei intenso. Intenso demais para mim. Quero que o ano acabe.

O sr. quer que eu ligue para o sr. Anísio agora?

Não. (por que diabos ele tem de falar nesse maldito velho senil toda vez que estou perto de me aprofundar nos meus próprios abismos)

Eu não quero falar com aquele velho senil(pronto, agora eu falei, quem mandou).

O sr. pode ter razão. Mas mesmo assim vou aumentar seu medicamento até o dia 30. Após este período as coisas podem se modificar.

Já fez seu plano astral? Já.

E o que achou. Detestável. Não acredito nessas coisas. Nem como forma de auto-conhecimento?

Não. Preciso dos meus cigarros novamente. Nicotina é uma desgraça eu sei. Estou tentando parar(todo fumante diz isso).

Nos vemos sexta a noite então? Sexta não.

Por que não?

Tenho um compromisso com uma mulher. Compromissos afetivos?

Não exatamente. É apenas um violão, um piano e uma música triste muito convidativa.

Ok. Vá se divertir. Até segunda então. Até.

Até mais.

Até e tenha um bom dia.

domingo, 21 de outubro de 2007

Melhorarás

Espero realmente que as coisas melhorem.

Ansiolíticos naturais; são perigosamente limítrofes.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Do Esquecimento temporário/definitivo da Ruiva

Por um período que eu posso chamar de confortável, no sentido que me fez produzir muito mais do que o eventual, você me deixou. Deixou de forma a conceber espaço para outras idéias mais importantes; falando de coisas práticas.

Eu ainda era obrigado a te lembrar, por que todos os malditos cortes de cabelo semelhantes traziam sua presença, mesmo que eu não te convidasse. A camisa que eu usava me remetia a algum comentário elogioso teu, sobre a estampa; e eu também lhe conseguia enxergar imaginando as situações onde você estaria, o que você acharia de determinados fatos, de determinadas situações ou opiniões coletivas. Também surgia com expressões que pipocavam aleatóriamente na minha cabeça. Eram nuvens fugazes, mas de uma textura tão viva, que sinceramente valorizei o tempo como o único remédio efetivo para males como este.

E às vezes eu até lhe incorporava, o que me deixava cada vez mais certo que os gêneros opostos que vivem em todos nós, se manifestam de forma mais violenta quando se enxergam em corpos alheios. Nunca tentei tornar poético o trivial. Você encheu minha vida de trivial e eu agradeci inicialmente, perguntando com meu atual aspecto de surpresa, se não seriam necessárias mais algumas tragédias antes de me enebriar totalmente com teu perfume tão saboroso.

Mas não foram. Minha grande tragédia foi lhe conhecer, como uma tragédia grega onde nada se perde de verdade, onde um mundo se descortina, oracular como sempre deve ser.

Sensações a parte, acho que todo este caminho está estruturado de forma teleológica a me reinventar de forma infinita. Este é o destino.

Diante da impossibilidade de trazer a tona este inconsciente meramente poético que me circunda, deixo as impossibilidades práticas ganharem mais força. Não sei por que me lembrei de Zaratrusta. Devo ter mudado o eixo da discussão propositadamente.

Talvez me sinta culpado por te perder. (é claro que não me sinto ora bolas)

Em cartas antigas eu tinha de explicar que você é fruto da minha imaginação. Já perdi completamente esta capacidade. Esvaiu-se com o estilo poético que outrora você fortuitamente(e só e é claro na minha imaginação) apreciava.


terça-feira, 16 de outubro de 2007

Citações

Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana. [...]”. (Mikhail Bakunin)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Espaços Vazios em Grandes Salas Cheias

Não há muita criatividade. Apenas um cheiro de chuva que me faz observar os pingos respingarem no paralelepípedo. Dá pra sentir-se satisfeito, com aquele calor irritante se esvaindo na primeira pancada de chuva. As nuvens anunciam, há um pequeno estrondo e pronto, a mágica está feita.

Há um móvel novo na sala. Perto da cadeira branca. É nela que estou sentado, de frente àquela janela grande, do qual cnsigo observar todos sem que me observem. Há um senhor apressado de terno correndo com um jornal cobrindo a fronte enquanto a chuva o alcança; há uma senhora firme de si, desfilando com um grande guarda-chuva que antecipa as pancadas mais fortes.

A janela começa a embaçar e eu me canso dessa brincadeira a toa. Tento me concentrar, mas meu pensamento flutua livre pelas barreiras geográficas, me sinto pequeno.

Há um espaço vazio demasiado cheio de sentido dentro daquela sala minúscula. É difícil explicar, mas sinto que sem aquele vazio, não conseguiria obter reflexões como as dos dias chuvosos.

Geralmente, espero alguém ligar e aí inicio um jogo gestáltico de figura e fundo, onde as coisas se interpelam. Telefone-fundo, paisagem-figura, figura-telefone, fundo-paisagem, tudo depende de quem liga e das flutuações sempre inconstantes do meu humor temporal.

Há dias reservei alguns dias na agenda para preencher lacunas criativas como esta. Habituar o escritor e o leitor há sentir o vazio. Era preciso ter uma sala com poucos móveis. Uma cadeira bastava. E tinha de ser branca. Uma mesa de mogno, uma escrivaninha e poucas pilhas de papéis davam a tônica final.

Fora disso, havia apenas uma necessidade de me silenciar mais, sobre tudo um pouco. Era mais do que uma necessidade, era quase uma sobrevivência.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Passeio Beatnik

Flores no parque
Um parque tão límpido
Rosas, Girassóis, Bromélias
Uma doce trilha de pedra
Descortina um límpido rio

O canto do Rouxinol
Levou-lhe a uma pedra

Solitária

O cheiro de terra
Era tenro
Era doce

O silêncio do verde
Trouxe-o de volta
À pedra

Gostava de si
Quando lhe deixava
Sozinho

Mas sob a umidade do bosque
Restava-lhe a Insônia